Diversos fatores contribuem para a vulnerabilidade das mulheres ao HIV. Um deles é a dificuldade em negociar o uso do preservativo com o seu parceiro. Para refletir sobre estratégias de cuidado voltadas para o público feminino, 150 mulheres soropositivas de todo o Brasil se reuniram no 1º Encontro do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas, realizado em Belo Horizonte (MG), entre os dias 11 e 14 de maio. O grupo aprovou um documento que contém as diretrizes do movimento das Cidadãs Posithivas, contemplando assuntos relacionados exclusivamente ao universo das mulheres vivendo com HIV/Aids, como os efeitos colaterais dos anti-retrovirais no organismo feminino, a menopausa precoce, a falta de políticas públicas específicas para as mulheres soropositivas e a violência doméstica. Segundo Dária Dal Zuffo, coordenadora do encontro, “foi a primeira vez que um evento reuniu tantas mulheres soropositivas para tratar de assuntos relacionados clusivamente ao HIV no universo feminino”. A emoção fez parte da maioria dos depoimentos durante as plenárias, levando cada participante a se identificar com outras histórias relatadas no evento. “Este sentimento retrata a metodologia aplicada pelo movimento Cidadãs Posithivas, tecida através de histórias de vida que levam o coletivo a refletir sobre suas experiências particulares”, define Raldo Bonifácio, na época um dos diretores do Programa Nacional de DST/Aids, presente à mesa de abertura do evento. Para ele, esse movimento nacional é de extrema importância para o controle social de políticas públicas na área da mulher.

O perfil da aids entre mulheres do Brasil, América Latina e Caribe

O crescimento do número de mulheres infectadas no Brasil e no mundo é um desafio para o combate à epidemia. Uma das fundadoras do movimento Cidadãs Posithivas, Janice Pizão, destacou que, em 1985, havia 23,5 homens soropositivos para cada mulher infectada. “Em 2004, para cada 1,5 homem existe uma mulher infectada pelo HIV”. Este fenômeno é mundial. Na América Latina, no Caribe e na África, a epidemia também cresce entre o público feminino. Segundo a ativistamexicana Georgina Gutierrez, presente ao encontro, em Haiti, Honduras e Suriname as mulheres representam 50% dos casos notificados de HIV/aids, enquanto na África Sub- Sahariana elas já ultrapassaram os homens, contabilizando 56% no total de infectados.

O HIV dentro de casa

A ativista mexicana Georgina Gutierrez assegura que a principal forma de infecção das mulheres é por via sexual e ocorre dentro de casa. Segundo ela, “a vulnerabilidade feminina ao HIV é maior do que a masculina e está diretamente relacionada à pobreza e à baixa escolaridade”. Outro fator que contribui para esse fenômeno é a dificuldade da negociação do uso do preservativo. A maioria das cidadãs posithivas que participaram do encontro contraiu o HIV de seus maridos ou de parceiros fixos. Verinha Cristina Almeida de Jesus, 50 anos, de Itabaiana (SE), ilustra bem a fala da mexicana. Ela descobriu que era portadora em 1990, depois que o marido adoeceu: “Quando eu comentava algo sobre a aids, ele dizia que a doença não existia e tudo era uma grande invenção do governo e dos médicos para ganhar dinheiro”, relembra Verinha.

A amazonense Sueli Almeida, 35 anos, resolveu fazer o exame anti-HIV após saber que o parceiro estava infectado: “Nunca usei preservativo com meu marido”, confessa Sueli. Depois de quatro meses de longa espera pelo exame, a ativista entrou em depressão. “Sofri muito preconceito e discriminação dentro da família. Uma tia não abriu a porta de sua casa em um dia de chuva forte e outra queimou o sofá em que eu sentei”, desabafa. A participação em uma oficina do movimento das Cidadãs Posithivas em Belém (PA), no ano de 2001, foi o divisor de águas na vida de Sueli: “Comecei a me aceitar e a valorizar a minha auto-estima”, relembra.

Um movimento que reúne a força das mulheres vivendo com HIV/AIDS

“O movimento Cidadãs Posithivas é um espaço para discutirmos o nosso lado mulher, que deseja ser mãe, que é vaidosa e teme a lipodistrofia. É um espaço onde temos orgulho de ser mulher”, conta Renata Souza, 32, de Presidente Prudente (SP). Para ela, o Cidadãs Posithivas completa o que faltava no movimento social de aids: “acho que o movimento social me trouxe amadurecimento político e o Cidadãs fortalece , todos os dias, o meu lado feminino”.

Segundo Dária Dal Zuffo, o resgate da auto-estima é um dos trunfos do Movimento Cidadãs Posithivas: “sinto que através de nossos encontros e de nossas reflexões, nos tornamos mais fortes e capazes de incentivar a participação de outras mulheres nas políticas públicas de saúde”.

Novo encontro será em 2007, na Bahia

Durante o encontro, as participantes realizaram o planejamento estratégico para o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas. A mobilização das mulheres portadoras do HIV, o fortalecimento da auto-estima, a luta contra o preconceito e o estigma, a defesa dos direitos humanos são alguns dos objetivos traçados pelas participantes do evento.

O próximo encontro será em Salvador (BA), daqui a dois anos.

 

Fonte: Saber Viver Comunicação