O avanço da terapia antirretroviral nos últimos 30 anos transformou, de maneira dramática, as condições de saúde das pessoas vivendo com o HIV e AIDS. Nos dias atuais, a maioria dessas pessoas, com a infecção bem controlada, têm uma expectativa de vida semelhante à das pessoas negativas para o HIV; ou seja, muito mais pessoas estão envelhecendo com o HIV. Para as mulheres, essa realidade impõe um duplo desafio, porque muitas mulheres que se infectaram em algum momento da vida estão chegando à menopausa, mas também por causa do risco potencial de infecção durante a transição ou depois da menopausa, tanto pelo baixo uso do preservativo nessa faixa etária como pela atrofia da mucosa vaginal, que torna a mucosa vaginal mais frágil, mais desprotegida, facilitando a aquisição do vírus² .
No Brasil, não sabemos com precisão quantas mulheres vivem com o HIV e AIDS atualmente; também não sabemos exatamente quantas dessas mulheres têm mais de 50 anos, quantas são não binárias, ou quantos homens trans estão nessa faixa etária. Entretanto, sabemos que hoje, no Brasil, aproximadamente 920 mil pessoas vivem com o HIV e que, segundo os dados do mais recente boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, foram registrados, até 2021, 356.885 mulheres com AIDS, das quais 51.863 têm 50 anos ou mais ⁵ .
Portanto, efetivamente muitas mulheres vivendo com HIV e aids estão no período de transição ou na pós-menopausa, e é imperativo que os serviços de saúde estejam bem-preparados para atender às necessidades específicas de saúde desse grupo de mulheres. Também, neste sentido, é fundamental que as mulheres que vivem com HIV e aids tenham o máximo possível de informações para aprenderem a adaptar seu estilo de vida e os cuidados preventivos às necessidades impostas pela menopausa.
Os principais problemas médicos da mulher vivendo com HIV e AIDS na menopausa
Na atualidade, temos muito poucas informações na literatura médica sobre a relação entre menopausa e infecção por HIV, e os poucos estudos e experiências de serviços publicados são bem recentes.
Sabemos que a menopausa é determinada pela última menstruação, após um processo natural que marca o fim da vida reprodutiva da mulher e que, em geral, acontece por volta dos 45 aos 55 anos. Caracteriza-se pela interrupção completa, ou quase, do funcionamento dos ovários, levando à deficiência na produção dos hormônios ovarianos, principalmente o estrogênio. A queda da concentração no sangue do estrogênio provoca o surgimento de vários sintomas, sendo os mais importantes os sintomas vasomotores, psicológicos e urogenitais, que, tanto por sua frequência quanto pela intensidade, costumam afetar a qualidade de vida da mulher. Assim, os sintomas mais comuns são as ondas de calor (fogachos), suores noturnos, secura vaginal, dor nas relações sexuais, insônia, alterações do humor e depressão ⁴.
Na literatura médica tem sido debatido se mulheres vivendo com HIV e aids têm mais sintomas relacionados à menopausa do que as mulheres negativas para o HIV. Alguns estudos têm sugerido maior frequência de fogachos, ansiedade, depressão e queixas sexuais entre mulheres vivendo com HIV e aids, sendo que muitas dessas mulheres não procuram ajuda para tratar esses problemas de saúde 2. Além disso, também ocorre que, quando buscam um serviço de saúde com queixas relacionadas à menopausa, as equipes de saúde muitas vezes atribuem erroneamente esses sintomas à própria infecção ou a efeitos colaterais da terapia antirretroviral ¹.
Muitas lacunas ainda existem a respeito da antecipação da idade da menopausa em mulheres vivendo com HIV e AIDS. Os estudos são ainda bastante inconclusivos, sendo que alguns demonstraram que a menopausa se instala entre 2 e 3 anos mais cedo nas mulheres vivendo com HIV e AIDS, mas outros estudos não encontraram diferenças. O que se sabe, até o momento, é que, com a chegada da menopausa, não há risco aumentado para agravamento da infecção ¹,².
Por outro lado, sabemos que a menopausa, a longo prazo, é um fator de risco para problemas de saúde tais como doenças cardiovasculares, principalmente a hipertensão e os acidentes vasculares, algumas doenças metabólicas e a osteoporose, e sabe-se que os riscos para tais problemas também são maiores nas mulheres positivas para o HIV ou com AIDS ². Portanto, a associação dessas duas condições, infecção por HIV e menopausa, representa um impacto para a saúde da mulher que exige uma organização de serviços de saúde, com equipes adequadamente capacitadas para atender às necessidades de saúde dessa população.
Uma ênfase especial tem sido dada pelos estudos na área para o problema da perda de densidade mineral óssea e osteoporose com riscos de fratura, que também se relacionam com a deficiência do hormônio estrogênio. Além do mais, os estudos têm mostrado que a infecção pelo HIV também se associa com o aumento do risco para osteoporose, que pode ser até 3 vezes maior do que na população geral ¹; a prevalência de osteoporose varia entre 7 e 84% nas mulheres vivendo com HIV e AIDS, comparado com 0,7 a 23% entre mulheres negativas para o HIV ³. Os mecanismos para explicar esse aumento do risco na mulher positiva para o HIV são complexos e não muito bem conhecidos, mas parecem incluir efeitos virais, inflamação crônica, o uso de alguns antirretrovirais, além de outros fatores de risco, como fumo, álcool, etnia, baixo índice de massa corporal, uso de alguns medicamentos ¹,³.
Os Desafios do Tratamento dos problemas de saúde da mulher com HIV e AIDS na menopausa
As mulheres vivendo com HIV e AIDS na menopausa trazem à tona uma importante discussão sobre a terapia hormonal como uma alternativa terapêutica para o alívio dos sintomas e a prevenção de riscos de saúde para essas mulheres. Sabe-se que os maiores benefícios da terapia hormonal pós-menopausa são o alívio dos fogachos e a prevenção de osteoporose, e vários estudos têm mostrado também um efeito importante na prevenção de doenças cardiovasculares, diabetes, e redução do risco de câncer colorretal. Entretanto, embora esses benefícios para mulheres com HIV também pareçam ser evidentes, muito pouco se sabe sobre o seu uso nesse grupo de mulheres. Isto significa que, até o momento, não existem dados demonstrando qual é o efeito da terapia hormonal pós-menopausa sobre a densidade mineral óssea, as doenças cardiovasculares e o controle dos sintomas, em mulheres vivendo com HIV e AIDS ¹,².
Se não há ainda dados conclusivos sobre os benefícios da terapia hormonal, o que se pode afirmar sobre os riscos? Os riscos mais importantes da terapia hormonal pós-menopausa discutidos na literatura médica são os eventos tromboembólicos (trombose venosa profunda e embolia pulmonar) e o câncer de mama. Em relação ao risco tromboembólico, este varia de acordo com a via de administração (oral ou transdérmica) e do tipo de hormônio utilizado. Além disso, é de grande relevância considerar este risco nas mulheres vivendo com HIV e aids, uma vez que os estudos têm mostrado que essas mulheres têm um risco 2 a 10 vezes maior para tromboembolismo venoso do que a população em geral, embora estudos mais recentes sugiram que as mulheres com TARV com carga viral suprimida não apresentam esse aumento do risco ¹,².
A relação entre terapia hormonal e risco para câncer de mama é mais complexa. As evidências atuais indicam um leve aumento do risco para câncer de mama, que também depende do tipo e do tempo de uso. Por outro lado, não existem evidências de que a infecção pelo HIV aumenta o risco para câncer de mama ².
A preocupação com a interação medicamentosa entre antirretrovirais e terapia hormonal pós-menopausa é bastante debatida nos estudos, mas a informação ainda é bastante escassa; sabe-se, todavia, que alguns medicamentos antirretrovirais podem interferir sobre a ação dos hormônios, reduzindo seu efeito ².
O objetivo principal da atenção à mulher vivendo com HIV e aids na menopausa é melhorar a sua qualidade de vida nos anos após o período reprodutivo. Portanto, levando-se em conta todas essas considerações que as pesquisas médicas vêm mostrando, é inegável que as mulheres vivendo com HIV e AIDS devem ter amplo acesso à informação baseada em evidências científicas e a serviços de saúde com equipes de saúde capacitadas para discutir com elas suas expectativas e experiências, e atender às suas necessidades em saúde. Isto inclui a implementação de recomendações apontadas pela literatura médica, tais como:
1. Avaliação rotineira da saúde mental e das queixas sexuais;
2. Rastreamento rotineiro para doenças cardiovasculares, osteoporose e câncer de mama, bem como dos aspectos gerais de saúde;
3. Orientação nutricional, orientação para a prática de exercícios físicos, evitar fumo e bebidas alcoólicas;
4. Suplementação de vitamina D e cálcio se a ingestão dietética de cálcio for insuficiente e/ou existirem evidências de insuficiência de Vitamina D;
5. Referência para fisioterapia do assoalho pélvico mediante indicações específicas; 6. Avaliação do risco para queda e fratura óssea ¹,²,³.
Com respeito à recomendação ou não de terapia hormonal pós-menopausa, as evidências atualmente disponíveis reconhecem a terapia hormonal como uma opção válida para o tratamento dos sintomas da menopausa para as mulheres vivendo com HIV e AIDS. O que os estudos têm afirmado é que, muitas vezes, clínicos e infectologistas hesitam em oferecer a terapia hormonal, principalmente pela falta de experiência com o manejo da menopausa, uma área normalmente reservada aos ginecologistas. Estes, por sua vez, muitas vezes motivados pelo temor de a terapia hormonal agravar a infecção, ou pela preocupação com a interação entre medicamentos, toxicidade e efeitos colaterais, também evitam a prescrição ¹.
De qualquer modo, as indicações, vias de administração e composição devem ser sempre individualizadas e baseadas em uma avaliação médica criteriosa dos riscos para doenças cardiovasculares, osteoporose, câncer e outras condições. Neste processo, a orientação é uma etapa fundamental da consulta médica e deve incluir a informação de que a relação entre os riscos possíveis versus os benefícios ainda é desconhecida, que existem potenciais interações farmacológicas entre a terapia hormonal e os medicamentos antirretrovirais, principalmente os inibidores de protease, e que praticamente não existem ainda informações sobre a interação dos antirretrovirais com o tratamento não-hormonal da menopausa, principalmente os fitoesteroides.
Deste modo, a abordagem das mulheres vivendo com o HIV e AIDS deve, idealmente, ser um trabalho de equipe integrado, com serviços bem-organizados e com profissionais capacitados e atualizados.
Dra Magda Loureiro Motta Chinaglia
Médica graduada na FM UFMG (1979-1985).
Mestre em Ginecologia e Obstetrícia – FM UFMG (1989).
Doutora em Medicina FCM Unicamp (1993).
Médica assistente CAISM/Unicamp (1991 – 2000).
Gerente de Programas Population Council Brasil (2000 – 2007).
Desde 2007 é consultora na Reprolatina.
Referências bibliográficas:
- Bull, L; Tittle, V; Rashid, T; Nwokolo, N. HIV and the menopause: A review. Post Reproducitve Health, 1-7, 2017. DOI: 10.1177/2053369117748794
- Dragovic, B.; Rymer, J.; Nwokolo, N. Menopause care in women living with HIV in the UK – A review. J Virus Eradication, https://doi.org/10.1016/j.jve.2022.100064, online em 15 de fevereiro de 2022.
- Finnerty, F; Walker-Bone, K; Tariq, S. Osteoporosis in postmenopausal women living with HIV. Maturitas, 95: 50–54, 2017. doi:10.1016/j.maturitas.2016.10.015.
- Gravena, AAF; Rocha, SC; Romeiro, TC; Agnolo, CMD; Gil, LM; Carvalho, MDB; Pelloso, SM. Sintomas climatéricos e estado nutricional de mulheres na pós-menopausa usuárias e não usuárias de terapia hormonal. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013; 35(4):178-84
- Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico HIV/Aids, dezembro 2021 ¹https://www.camara.leg.br/noticias/835074-apos-40-anos-do-primeiro-caso-epidemia-de-hiv-aids-ainda-mata-brasileiros/ ² https://www.uptodate.com/contents/hiv-and-women?sectionName=Menstrual%20abnormalities%20and%20menopause&search=terapia%20hormonal%20p%C3%B3s-menopausa%20e%20HIV&topicRef=3735&anchor=H21&source=see_link#H21