A pessoa que vive com HIV/AIDS (PVHA) desde as décadas de 80/90 certamente alcançou uma maturidade não esperada até a chegada dos anti-retrovirais (ARV) no Brasil, em 1997, pois o impacto do novo tratamento reduziu as infecções oportunistas e os óbitos e, consequentemente, auxiliou na ampliação da expectativa de vida de quem viveu esta realidade.
Uma nova expectativa de vida que eu, particularmente, considero uma grande vitória, afinal em 1996 recebi um diagnóstico de morte na plenitude dos meus 26 anos, pois era assim que o resultado do teste de HIV era recebido por nós. Hoje, com 52 anos, ao me olhar no espelho e ver minha imagem refletida vejo o quanto mudei em muitos aspectos. Fisicamente, as linhas ao redor do meus olhos estão à mostra, os fios de cabelos ficaram brancos, ganhei peso e perdi massa muscular, por outro lado, vejo uma mulher forte, empoderada, mais “sabida” para escolher melhor as batalhas que valem a pena lutar.
Percebo que o tempo tem passado rápido e os efeitos do HIV/AIDS e dos ARV contribuíram na velocidade do meu envelhecimento. Apesar de me sentir bem, essa não é a forma como todas as mulheres se sentem. Por essa razão, o motivo dessa reflexão não está, exatamente, na idade em si mas, no etarismo social e seu impacto na vida das mulheres que vivem com HIV/AIDS (MVHA).
Quem nunca ouviu a frase “você não tem mais idade para isso” ou “esse emprego não é mais para você”, ou até mesmo, “você está velha demais para namorar, não acha?”
Pois é! Este um tipo de opinião que podemos classificar como etarismo, que consiste no preconceito, na intolerância, na discriminação contra indivíduos com base em esteriótipos associados à idade. Na vivência como ativista, posso afirmar que o etarismo acontece de várias formas, desde atitudes individuais até mesmo políticas e práticas, se já não bastasse a luta cotidiana contra o estigma e preconceito decorrentes da sorologia positiva para o HIV!
No dia a dia não é difícil encontrarmos relatos de mulheres que são discriminadas pelo etarismo. Mulheres que tiveram empregos negados “devido a idade”, que são vítimas de comentários preconceituosos nas redes sociais, em especial nas plataformas onde são expostos vídeos com danças e brincadeiras, sendo estas, consideradas “inadequadas” ou mesmo “ridículas”, ou ainda, a crítica vinda de familiares, amigos e, por vezes, até de profissionais da saúde devido o diagnóstico para o HIV na terceira idade. São comentários preconceituosos que ocorrem, às vezes, de forma sutil, mas impactam na auto estima e na saúde emocional das MVHA. Por medo do preconceito, da rejeição, do julgamento familiar e social, muitas optam por se abster de um relacionamento, escondem o sofrimento que estão passando e a solidão que sentem.
Mas afinal, quem disse ou determinou que a terceira idade é impedimento para relacionamentos, para a produtividade profissional, para a diversão de forma livre, para ser feliz? Há uma pressão social nesse sentido mais acentuada quando se trata de uma mulher, independente do viver ou não com HIV/AIDS.
Ainda, o que dizer quando idosos são considerados um fardo para a sociedade ou para as famílias, que muitas vezes cooperou em seu sustento? Os idosos sofrem diversos tipos de violência, além da física, a institucional, a profissional e até o Estado, que deveria ampará-los afirma que a longevidade é insustentável aos cofres públicos.
O etarismo é muito sério, pouco debatido mas está muito presente no cotidiano. Deve ser combatido da mesma forma que a discriminação baseada em gênero, etnia ou orientação sexual. Na vida das MVHA o etarismo impacta negativamente na saúde emocional, no desempenho de atividades, no tratamento e na qualidade de vida.
Nós, mulheres que vivemos com HIV/AIDS, trazemos experiências e saberes diferenciados, somos capazes de produzir, de aprender e evoluir constantemente e quer saber mais? O amadurecer com HIV/AIDS é uma conquista!
Fabiana de Oliveira
Cientista Social
Secretaria de Comunicação MNCP e Representante Estadual do MNCP SP