A amamentação é reconhecida como um direito da criança e um ato de cuidado fundamental, com inúmeros benefícios para a saúde do bebê e da mãe. No entanto, para mulheres vivendo com HIV, esse processo envolve escolhas complexas, orientações específicas e uma rede de apoio que respeite seus direitos e garanta a proteção da criança exposta ao vírus.

O HIV pode ser transmitido pela amamentação. O vírus está presente no leite materno e, na ausência de tratamento, o risco de transmissão para o bebê pode variar entre 15% e 45% ao longo do período de aleitamento. Por isso, a amamentação por mulheres vivendo com HIV foi, por muito tempo, contraindicada no Brasil.

Contudo, com o avanço da terapia antirretroviral (TARV), esse cenário tem mudado. Quando a mulher faz uso correto e contínuo da TARV, com carga viral indetectável, o risco de transmissão vertical (da mãe para o bebê) cai drasticamente,  chegando a ser praticamente zero durante a gestação e o parto, e muito reduzido durante o aleitamento, embora ainda não se possa afirmar que o risco seja totalmente nulo.

Criança exposta ao HIV, é aquela que nasce de uma mãe vivendo com HIV e que, até que se concluam os exames laboratoriais, geralmente até os 18 meses, é acompanhada como uma criança exposta ao HIV. Nesses primeiros meses de vida, são adotadas medidas preventivas específicas para garantir sua proteção, como:

  • Uso de antirretrovirais pelo recém-nascido;
  • Realização de exames de carga viral e sorologia em momentos definidos;
  • Substituição do leite materno pelo leite industrializado, conforme recomendação do Ministério da Saúde.

O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para Prevenção da Transmissão Vertical do HIV, Sífilis e Hepatites Virais (2022) do Ministério da Saúde determina que “A amamentação por mulheres vivendo com HIV não deve ser realizada no Brasil, independentemente da carga viral.”

A recomendação brasileira se baseia em dois fatores principais:

  • A existência de alternativas seguras de alimentação infantil (como fórmulas infantis distribuídas gratuitamente pelo SUS);
  • A necessidade de reduzir o risco de transmissão ao mínimo possível, considerando também os desafios de adesão ao tratamento e monitoramento contínuo.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) adota um posicionamento um pouco diferente, adaptado às realidades de países com menos acesso à fórmula infantil e à infraestrutura sanitária.

Nos países em que o não aleitamento aumenta o risco de morte por desnutrição ou doenças infecciosas, a OMS recomenda que mulheres com HIV amamentem por pelo menos 12 meses, desde que estejam em tratamento e com acompanhamento regular, ou seja, o contexto importa: no Brasil, onde há acesso à fórmula infantil gratuita, a recomendação oficial é não amamentar.

A mulher vivendo com HIV enfrenta pressões contraditórias: por um lado, a expectativa social de amamentar, por outro, a exigência de não o fazer em nome da prevenção. Isso pode gerar sentimentos de culpa, tristeza, inadequação e julgamento, inclusive por parte de profissionais de saúde mal informados.

É fundamental que essa mulher receba acolhimento respeitoso, orientação clara e apoio emocional. Amamentar ou não é uma decisão que atravessa o corpo, a história e o afeto. Nenhuma mulher deve ser estigmatizada por seguir a orientação médica vigente.

O SUS garante a fórmula infantil gratuita até os 6 meses de vida, acompanhamento pediátrico e infectológico regular, exames de monitoramento para diagnóstico precoce e apoio ao aleitamento seguro e às escolhas maternas.

A criança exposta ao HIV é uma prioridade de saúde pública, e sua proteção depende do cuidado com a mãe.

A amamentação por mulheres vivendo com HIV é uma questão delicada, exige olhar técnico e sensível. No Brasil, a recomendação é não amamentar, garantindo acesso à fórmula infantil e acompanhamento contínuo. O respeito às orientações, aliado a políticas públicas que garantam apoio material e emocional é essencial para proteger mães e bebês, combater o estigma e promover o cuidado em sua forma mais ampla.

 

 

Renata Soares de Souza – Assistente Social membro do MNCP/ CNS/ ENV