Por Natália Silva Trindade*
* Pesquisadora em Estudos de Gênero, Doutoranda em Direito – UFRJ, Mestra em Ciências Sociais – UERJ, Advogada e Dirigente Nacional da UBM.
As mulheres terem o direito de votar no Brasil não foi dado em 1932. Essa foi uma conquista que demandou muito de figuras como Bertha Lutz, Leolinda Daltro, Almerinda Gama e outras – conhecidas mundialmente como as sufragistas. Foram muitas manifestações, ações judiciais, conflitos e confrontos para que chegasse ao Decreto nº 21.076/1932. Esse decreto garantiu que as mulheres acima de 21 anos, idade da maioridade civil à época, tivessem os direitos de votar e de serem votadas.
Contudo, esse direito garantido veio sem artifícios que incentivasse o voto da e em mulheres. Por exemplo, para as mulheres não havia a obrigação de estar quitada com suas obrigações eleitorais para tomar posse em cargos públicos. Ainda nesta época, o Código Civil determinava que a capacidade de decidir das mulheres era atrelada ao seu pai ou seu marido. Não eram todas as mulheres que podiam votar: se fossem analfabetas, se não tivessem posses não votavam. Considerando o fenômeno da escravidão no nosso país, a falta de políticas para as pessoas que foram escravizadas, o resultado inicial é que a cor/raça da maioria das mulheres que tiveram acesso e que são visibilizadas na luta pelo sufrágio feminino é branca.
Conforme os anos foram avançando, vimos a sociedade compreender que a busca por direitos iguais para homens e mulheres é importante. O Código Civil foi alterado, o poder marital/patriarcal foi extirpado da lei, a capacidade de decidir das mulheres foi valorizado e o sufrágio universal finalmente consolidou-se.
Mas como lei não muda cultura, e a cultura pauta muito do que observamos no desenho e na aplicação da lei, vemos que, apesar de terem passado 90 anos, o direito a votar e ser votada não levou as mulheres a serem maioria no espaço da política, como são na sociedade.
Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres ocupam 898 cargos de vereadora, 655 cargos de prefeita, 161 cargos de deputada estadual, 77 cargos de deputada federal, 11 cargos de senadora, 7 cargos de vice-governadora, 3 cargos de deputadas distritais (no Distrito Federal) e apenas UMA governadora (no Rio Grande do Norte). Não paridade de gênero em nenhum nível e órgão federativo.
O campo político é um dos mais difíceis para se operar mudanças. Concordo com a cientista política Flávia Biroli, que aponta três motivos que criam obstáculos para as mulheres ocuparem espaços neste campo. A política é ainda encarada como um espaço masculino, não à toa a violência de gênero existe e acontece quase que impunemente. Há uma dificuldade de tempo livre das mulheres, que ainda são responsáveis pelo trabalho de cuidado, e uma dificuldade de renda, já que o mercado de trabalho formal e decente ainda tem maioria masculina. Nos partidos e governos, vemos os homens enquanto dirigentes, com maior rede de contatos, ficando as mulheres, quando estão, em pasta voltadas para a temática de mulheres, assistência social, etc.
A partir de minha vivência enquanto candidata e secretária das mulheres de um partido – fui cocandidata em 2020 e estou em segundo mandato enquanto secretária no PCdoB Carioca, digo que é muito difícil para nós dizer “QUERO SER CANDIDATA”. É um custo muito grande. Na sociedade que vivemos, é malvisto quem é de partido, quem atua na política – ainda que ser de partido seja crucial para a democracia brasileira. Para atuar no campo da Política é preciso, por vezes, renunciar a vontades pessoais e profissionais, da autonomia pessoal e profissional. É doloroso.
A partir disso, quais são as perspectivas que podemos apontar para o ano eleitoral de 2022?
– Fazer valer as regras eleitorais que valorizam as mulheres e pessoas negras na disputa eleitoral, denunciando a existência de “candidaturas laranjas”;
– Valorizar as iniciativas de redes suprapartidárias por Mais Mulheres na Política, como o Instituto Vamos Juntas, Movimento Mulheres Negras Decidem, Instituto Marielle Franco e outras;
– Incentivar que as mulheres se filiem aos partidos, participem da estrutura partidária e tenham sua atuação enquanto liderança política viabilizada;
– Fazer parte da luta histórica feminista por cotas de gênero nas cadeiras do Parlamento, ampliando a porcentagem rumo à paridade.
Natália Silva Trindade, nascida e criada em São Gonçalo, que como a história de muitas brasileiras foi pra capital em busca de oportunidades. No Rio, se formou em Direito e em Ciências Sociais nas duas melhores universidades do país. Virou mestra em Ciência Sociais pela UERJ e está em busca do título de doutora com doutorado em Direito pela UFRJ. Pesquisadora em Estudos de Gênero, advogada, multi-militante em defesa da educação, da ciência e do bem viver, feminista, antirracista.
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