Celebrado no dia 29 de janeiro, o Dia Nacional da Visibilidade Trans, data criada em 2004 pelo Ministério da Saúde após a divulgação da campanha “Travesti e Respeito”, é um marco político e um importante passo na luta pela cidadania e respeito à população trans e travestis.  Afim de diminuir essas dúvidas e conscientizar a todxs, Ana Paula Braga traz algumas informações sobre o tema. Confira:  
“Não se nasce mulher, torna-se mulher” Simone de Beauvoir
A citação, acima, pertence a um dos maiores nomes da contemporaneidade literária: Simone de Beauvoir, que foi uma escritora, intelectual, ativista política, feminista, filósofa existencialista e teórica francesa que viveu e produziu obras importantíssimas, como o segundo volume do livro “Segundo Sexo”, sua obra mais famosa, durante o séc. XX. Apesar de parecer recente a discussão a respeito do gênero pode ser rastreada até a Grécia Antiga, quando o médico Galeno de Pergamo observava a diferença entre o corpo dos machos e fêmeas da espécie humana, comparando-os  “Se virarmos [os órgãos genitais] da mulher para fora e, por assim dizer, virarmos para dentro e dobrarmos em dois os do homem, teremos a mesma coisa em ambos sob rodos os aspectos.” Galena de Pergamo (e. 1 30-200) Entretanto, apenas nas últimas décadas do séc. XX, com o avanço das discussões feministas, que ganham espaço nas universidades, é que o debate começa a ganhar forma. E é a partir desse contexto: das transformações políticas, sociais, culturais, que vão “adentrar” as pesquisas acadêmicas, do fortalecimento e ampliação do movimento feminista, que o debate sobre sexualidade, gênero e sexo biológico começam a ganhar força. Antes de mais nada, precisamos diferenciar cada um desses elementos, para isso coloquei uma ilustração que explica as diferenças entre esses conceitos.
Acredito que a partir da imagem a frase que citei no início, de Simone de Beauvoir, comece a fazer mais sentido. O sexo biológico limita a classificação entre macho e fêmea, as contruções sociais, que vão mudando ao longo da História e nas diferentes sociedades humanas, vão criar a ideia do gênero, que inicialmente relaciona o macho com o “ser homem” e a fêmea com o “ser mulher”, assim sendo, podemos entender que ser homem e ser mulher é definido pelo recorte temporal e geográfico, e que se o ser humano está e constante processo de transformação, suas noções e percepções também estarão. 
A identidade de gênero está relacionada com a forma que cada indivíduo se percebe, já a expressão de gênero é como esse indivíduo vai externalizar essa identidade de gênero com a qual se identifica. Orientação/condição sexual está relacionada com a forma que vivencimos nossas sexualidades e as manifestações afetivas/ sexuais, assim sendo, sexo biológico é diferente de gênero, que por sua vez é diferente de identidade de gênero, que pode ou não está relacionado com a orientação sexual do indivíduo. Um bom exemplo disso sou eu, essa humilde mulher que vos escreve, sou uma mulher travestir, de 31 anos, não passável, ou seja, eu não me passo por uma mulher cis, e sou pansexual, que quer dizer que me apaixono por pessoas, idependente de como elas vivenciem ou externalisem suas identidades de gênero e suas sexualidades. Aliás, devo destacar a diferença entre “CIS”, TRANSSEXUAL” E “TRAVESTIR”, ser CIS é quando uma pessoa tem sua identidade de gênero, diretamente, relacionada com seu sexo biológico, isso é, um indivíduo que nasce com o aparelho reprodutor masculino e se ver como homem ou um indivíduo que nasce com o sistema reprodutor feminino e se ver como mulher. Trassexual é a pessoa que nasce com um sistema reprodutor qualquer, macho ou fêmea, mas não se enquadra, psicologicamente, nos papeis atribuidos a esse gênero, exemplo: eu nasci com o sistema reprodutor maculino, mas nunca me encaixei nos papeis do “ser homem”, ao contrario, sempre me percebir como mulher. O conceito de travestir é problemático, primeiro por que ele só existe na América, segundo porque ele surge como uma forma de desdenhar as pessoas trans, logo, travestir e transsexual é a mesma coisa, o conceito de transsexual surge quando começam a se popularizar a imagem de mulheres trans passáveis, ou seja, que se pareciam com mulheres cis, um bom exemplo é a modelo Roberta Close. Essa introdução e conceitos podem parecer difíceis à primeira vista, mas devem ser compreendidos a absorvidos por todos nós, é necessário a popularização desse debate, para que haja a garantia de respeito, direitos básicos e a quebra do tabu que é se falar em gênero no Brasil.   
    É extremamente importante entender que a urgência em torno desse debate ocorre por causa das diversas formas de violência que mulheres travestis e pessoas trans sofrem no nosso país. 
    1. O Brasil é o país mais violento contra transexuais. E o que mais procura pornografia trans na Internet
    2. O Brasil mantém a posição de país que mais mata transexuais no mundo, à frente de México e Estados Unidos
    3. A expectativa de uma mulher trans no Brasil é de 37 anos de idade.                De acordo com a ANTRA: Associação Nacional de Travestir e Transexuais do Brasil, em 2020 175 mulheres “T” foram assassinadas no país, sendo que os números não incluem as violências ou mortes de homens trans
    O dossiê também aponta:
    1. Não foram reportados assassinatos de homens trans em 2020.
    2. Além das vítimas que tinham entre 15 e 29 anos (56%), outras 28,4% tinham entre 30 e 39 anos; 7,3%, entre 40 e 49 anos, e 8,3%, entre 50 e 59 anos. Não foram encontrados casos de pessoas com mais de 60 anos. Não foi possível saber a idade de 66 vítimas.
    3. Pelo menos 8 vítimas se encontravam em situação de rua.
    4. Em 47% dos crimes, golpes e/ou tiros atingiram principalmente partes específicas do corpo como rosto/cabeça, seios e genital.
    5. Em 24% os meios foram espancamento, apedrejamento, asfixia e/ou estrangulamento – as mortes por esses tipos de violência cresceram.
    6. Em 8% foram usados outros meios, como pauladas, degolamento e fogo.
    7. Em 16% dos assassinatos foi usado mais de um método de violência. Em 24 casos, o meio utilizado para cometer o crime não foi informado.
    8. Em quase metade dos crimes não havia informações sobre o suspeito.
    9. Dos 38 suspeitos foram identificados, a idade variava entre 16 e 60 anos; 46,5% eram homens, 4,5% mulheres (cis e trans).
     
    Ana Paula Braga do Nascimento, 31 anos, mulher travestir, não passável, preta, da periferia de Fortaleza, Graduada e Bacharel em Teologia, formada em Gastronomia e estudante de História pela Universidade Estadual do Ceará,  casada e praticante de Calundü, filha de pastores evangélicos e mãe de duas doguinhas.
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