Na última sexta-feira, 16 de Julho a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMulher) promoveu uma audiência pública para debater a Portaria 13/2021 da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde, que trata do implante subdérmico de etonogestrel, como forma de prevenir gravidez não desejada em alguns grupos de mulheres específicos.
O Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas foi uma das organizações convidadas para o debate, tendo sido representado por Silvia Aloia.
Durante a audiência, representantes da sociedade civil organizada classificaram de eugênica e discriminatória a portaria do governo, enquanto representantes do Ministério da Saúde apontam limitações orçamentárias para estender a medida a todas as mulheres em idade fértil. O tema pode ir parar no Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com a portaria, poderão receber o contraceptivo mulheres em idade fértil em situação de rua; com HIV/AIDS em uso de dolutegravir; mulheres em uso de talidomida; privadas de liberdade; trabalhadoras do sexo; e em tratamento de tuberculose em uso de aminoglicosídeos.
Reivindicações
Recomendação do Conselho Nacional de Saúde (CNS) pede a revogação da portaria; a implementação de políticas públicas de planejamento familiar observando o direito de autodeterminação, privacidade, intimidade, liberdade e autonomia individual, sem discriminação, sem coerção e sem violência; e a ampliação da oferta dos métodos contraceptivos, a serem disponibilizados de forma universal.
A recomendação do CNS também reivindica a garantia da participação do conselho, como órgão de caráter permanente e deliberativo do SUS, na construção das políticas nacionais de saúde.
Silvia Aloia -“Há incoerência quando cita as mulheres HIV positivas”
A representante do MNCP, Silvia Aloia, destaca que nos últimos anos temos vivenciado uma série de retrocessos, um apagamento nas políticas públicas para as mulheres, em especial na área de saúde sexual e direitos reprodutivos. Ainda, lembra que, nesse momento de pandemia aumentou a interrupção de serviços de saúde feminina como os do aborto legal por exemplo, que elevam o numero de gestações não planejadas, abortos inseguros e mortalidade materna. O movimento vê com preocupação a publicação da Portaria SCTIE/MS nº 13, de 19/04/2021 que torna pública a decisão de incorporar o implante subdérmico de etonogestrel, condicionada à criação de programa específico, para a população citada. É explícito o tom discriminatório da Portaria, porque além de não trazer os indicadores que respondam os motivos da escolha deste grupo de mulheres, fere os direitos sexuais e direitos reprodutivos de todas as mulheres e os princípios da universalidade do SUS.
Há incoerência quando cita as “mulheres HIV positivas em uso de Dolutegravir”, visto que evidências científicas, publicadas pela própria CONITEC (atualização do PCDT em agosto/2020), demonstraram que este medicamento não traz restrições à saúde de gestantes com HIV
Não houve nenhum debate ampliado com a Sociedade Civil e outros setores importantes nessa discussão, em especial com as organizações que trabalham diretamente com os grupos de mulheres elencadas na Portaria. Por que exatamente estas mulheres?.
O MNCP defende a incorporação da tecnologia no SUS e defende que sejam utilizadas estratégias de equidade, um serviço adequado de escuta que propicie a decisão com autonomia das mulheres na escolha do melhor método a ser utilizado por ela. No entanto, defender esse acesso para as MVHA, que é o nosso público principal, não quer dizer que defendamos acesso restrito a estas.
Emilly Marques: “Portaria intenciona um controle de caráter eugênico e racista“
Representante da Articulação de Mulheres Brasileiras, Emilly Marques considera que a portaria tem caráter eugênico. A eugenia busca um alegado “aperfeiçoamento genético da população”, impedindo a reprodução de raças consideradas inferiores.
“Ao selecionar um determinado público de um SUS que defendemos universal, (a portaria) intenciona um serviço de controle de caráter eugênico e racista que afronta a nossa autonomia e saúde sexual reprodutiva. Seleciona grupos que vivenciam uma desproteção histórica do estado”, observou Emilly.
Antônio Rodrigues: “Incorporação de um implante contraceptivo na rede SUS é um ganho”
Fatores financeiros
O diretor do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas do Ministério da Saúde, Antônio Rodrigues Braga Neto, disse entender o receio de que a ação do ministério tivesse um intuito eugênico, dado o histórico brasileiro, mas afirmou que a delimitação do grupo se deveu exclusivamente a fatores financeiros.
“Eu não tenho dúvida de que a incorporação de um implante contraceptivo na rede SUS é um ganho. Tentou-se essa incorporação nos últimos dez anos, e essa incorporação nunca foi aprovada, por um único motivo, que é o impacto dos custos da incorporação”, disse.
Ele disse que foi possível tornar o impacto aceitável para o SUS quando começaram a pensar em populações específicas que pudessem inicialmente se beneficiar mais do uso desse implante. Ele também ressaltou que o uso é voluntário e reversível.
Santuzza disse que as trabalhadoras sexuais não foram consultadas
Trabalhadoras sexuais
A vice-presidente da Central Única de Trabalhadoras Sexuais, Santuzza Alves de Souza, destacou que o público alvo da política não foi consultado.
“Nós, enquanto trabalhadoras sexuais, não participamos da consulta popular. Não fomos consultadas e mesmo assim fomos colocadas como público alvo de um método que pra gente não é ruim, mas que seja feito de forma transparente e que sejamos consultadas e possamos discutir se realmente é um benefício para as trabalhadoras sexuais”, disse.
Santuzza lembrou que faz parte de um público historicamente estigmatizado, ignorado por todos os governos e que, de repente, foram “acariciadas com um presente, entre aspas, desse governo que nós podemos dizer que também não nos ama”.
Luciene Fontes Bonan, também do Ministério da Saúde, reafirmou que a decisão não foi ideológica.
“A primeira recomendação foi desfavorável à incorporação do implante, justamente pela grandeza do impacto orçamentário, que numa perspectiva de cinco anos, para essa população não limitada de mulheres, chegava a um impacto orçamentário de R$ 1,2 bilhão”, observou.
Com a população específica, segundo Bonan, o impacto é de R$ 17 milhões.
Ação no STF
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), uma das parlamentares que pediu a realização da audiência, é também autora de um projeto (PDL 176/21) que susta a portaria do ministério. Ela sugeriu uma série de encaminhamentos, entre eles uma tentativa de conversa no próprio ministério, para que reveja a decisão; um trabalho de convencimento para que sua proposta que suspende a portaria seja pautada na Câmara; e uma ação no STF.
“A ação está pronta e nós deveríamos fazê-la chegar aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ela (a portaria) é estigmatizadora, inconstitucional e não possibilita que universalmente as mulheres possam tomar uma decisão consciente e informada por esse método”, disse.
A deputada Erika Kokay (PT-DF), também autora de pedido para audiência e coordenadora dos trabalhos, acolheu os pedidos. Ela ressaltou o histórico eugênico do país, no início do século 20, e destacou que o Brasil ainda não fez o luto de suas casas grandes e senzalas.
Fonte: Agência Câmara de Notícias