O HIV (vírus da imunodeficiência humana), todos sabemos, é o vírus causador da AIDS (síndrome da imunodeficiência adquirida), que como o próprio nome indica provoca uma diminuição da resistência do corpo humano favorecendo o aparecimento das chamadas infecções oportunistas, como meningites, pneumonias, tuberculose e tantas outras.

Além dessas infecções o HIV também pode provocar doenças afetando diretamente vários órgãos do corpo, como o sistema nervoso central – cérebro e medula (encefalites, meningites, mielites) e periférico (neuropatias). E, também pode provocar o aparecimento das chamadas neoplasias. 

Neoplasia é o nome técnico que a medicina dá para o câncer ou tumor maligno. “Neo” significa novo e “plasia” pode ser entendida como formação. Traduzindo uma neoplasia é uma “formação nova”. Então tecnicamente neoplasia pode ser definida como uma proliferação ou uma formação desordenada de células do organismo. Normalmente as células do nosso corpo estão em constante mudança. Sempre tem célula morrendo e célula nascendo. Isso durante toda nossa vida, em todos os órgãos do corpo humano. Alguns em maior velocidade como a pele e outros de modo bem mais lento, como as células do cérebro. Para manter o organismo funcionando esse crescimento ou nascimento de novas células tem que ser bem organizado. Quando esse crescimento é desorganizado as células vão se multiplicando sem controle e destruindo os órgãos, aí temos a neoplasia ou o câncer. 

Por exemplo, o câncer de pulmão nada mais é do que o crescimento desorganizado e descontrolado de células do próprio pulmão que vão destruindo o órgão. Assim é com o fígado, mama, próstata, rim, pele, intestino, útero, e todos os outros órgãos. Pode acontecer também de células de um tipo de câncer se espalhar para outros órgãos, exemplo células do câncer de mama atingir o fígado. É o que chamamos de metástase, o que piora significativamente o prognóstico da doença.

E o que isso tem a ver com a infecção pelo HIV? É porque, como dito acima, a presença do HIV no corpo humano pode provocar o aparecimento de várias neoplasias. Algumas dessas neoplasias, para se desenvolverem, necessitam de uma diminuição do sistema de defesa do organismo, por isso são conhecidas como neoplasias definidoras de aids. Vamos a algumas delas, pelo menos as mais comuns:

1. SARCOMA DE KAPOSI: essa neoplasia está muito relacionada com o HIV. É um câncer de células dos vasos sanguíneos (veias e artérias) que costuma se manifestar com lesões infiltradas na pele. No início essas lesões são pequenas, avermelhadas e podem aparecer em qualquer lugar do corpo. Com o tempo vão se tornando maiores, mais espalhadas, de cor mais escura e infiltradas, formando nódulos. Nos casos mais avançados que eram mais comuns quando não se tinha o tratamento com os antirretrovirais, o câncer se espalhava e atingia vários órgãos do corpo, como pulmão, fígado, intestino, qualquer órgão e como consequência o paciente podia morrer desse câncer. Hoje em dia é menos comum o aparecimento desse tipo de câncer   por causa do uso dos antirretrovirais.

2. LINFOMAS: os linfomas são um tipo de câncer que atinge as células do sangue, os chamados linfócitos. Também bastante relacionados com a infecção pelo HIV e que vêm aumentando sua incidência nos últimos anos. Existem vários tipos de linfomas, dependendo do tipo de células que ele atinge. Os mais relacionados com a infecção pelo HIV são os linfomas não-Hodgkin e o linfoma primário do cérebro. 

A) Linfomas não Hodgkin: Eles têm esse nome para diferenciar de um outro tipo de tumor mais conhecido que é o linfoma de Hodgkin (nome de um médico inglês que descreveu pela primeira vez esse linfoma). Existem mais de 20 tipos de linfomas não- Hodgkin. Alguns são mais comuns em pacientes imunossuprimidos como os portadores do HIV. São neoplasias que se desenvolvem em células linfáticas (os linfócitos). Geralmente estão relacionados com a presença de outros vírus além do HIV, como o vírus Epstein Barr (vírus que causa uma doença viral geralmente benigna que é a mononucleose infecciosa), o vírus herpes simples tipo 8, entre outros. Os sintomas mais comuns são febre prolongada, calafrios, emagrecimento, aumento dos gânglios linfáticos (ínguas), tosse, falta de ar, cansaço, anemia, etc. 

B) Linfoma primário do cérebro: é um tipo de linfoma não-Hodgkin diferente que atinge as células do cérebro. Também está relacionado com a queda do sistema de defesa do paciente com HIV. Geralmente os sintomas se relacionam com o comprometimento do sistema nervoso central, como cefaleia, visão turva, perda de força em partes do corpo, alterações de comportamento, entre outras. Geralmente o diagnóstico é feito por exames de tomografia ou ressonância e biópsia da lesão. São tumores graves de difícil tratamento.

C) Linfoma de Hodgkin: esse é também um câncer de células linfáticas, mas são considerados diferentes dos outros linfomas. Atualmente é reconhecida como um dos tipos mais comuns de câncer em pacientes com HIV e que não são considerados definidores de aids. Quer dizer, podem ocorrer em portadores de HIV mesmo com bons níveis de CD4. Os sintomas são muito parecidos com os dos linfomas nâo-Hodgkin.

Todos esses linfomas também podem se desenvolver em pessoas consideradas imunocompetentes, sem HIV, porém nos portadores de HIV podem desenvolver características de maior gravidade.

3. CARCINOMA DE COLO DE ÚTERO: ou câncer de colo do útero. É um câncer muito comum nas mulheres e nas portadoras do HIV pode adquirir características de maior gravidade principalmente nas que apresentam deficiência imunológica instalada (baixo nível de CD4). Esse câncer está relacionado com infecção por outro tipo de vírus, o HPV (papilomavírus humano), vírus causador do condiloma. A presença do HPV aumenta consideravelmente a transmissão sexual do HIV, para homens e para mulheres. 

Os sintomas mais comuns são, dor na pelve (região inferior da barriga), sangramento vaginal, menstruação mais prolongada, sangramento após menopausa, dor e/ou sangramento nas relações sexuais. Para esse tumor existem duas medidas preventivas muito eficazes que são o exame de Papanicolau que deve ser realizado por toda mulher portadora do HIV pelo menos uma vez ao ano. Lembrar que esse exame também está recomendado para homens trans e pessoas não binárias designadas como mulheres ao nascer. A outra medida de prevenção bastante eficaz é a vacinação contra o HPV que deve ser aplicada em todo adolescente ou adulto jovem (de 11 a 26 anos) homem ou mulher portadores de HIV.

Além desses, a pessoa vivendo com HIV pode também desenvolver outros tipos de tumores não necessariamente relacionado com a baixa imunidade, como por exemplo os tumores de fígado (carcinoma hepatocelular) mais comuns em pessoas com coinfecção HIV – Hepatite B ou HIV-Hepatite C. 

Câncer de pulmão, laringe, bexiga, esôfago, estômago, intestino, mama (nas mulheres), próstata (em homens), entre outros. Nas pessoas vivendo com HIV, principalmente as que mantém níveis de CD4 abaixo do aceitável, esses tumores podem adquirir características de maior gravidade prejudicando sobremaneira a qualidade de vida e aumentando consideravelmente o risco de morte. 

Portanto é de fundamental importância que as pessoas vivendo com HIV mantenham o controle da infecção viral (carga viral indetectável) e uma boa recuperação imunológica (CD4 em valores aceitáveis). É necessário também a realização de consultas médicas e exames laboratoriais periódicos e que contemplem, o rastreamento clínico e laboratorial para prevenir o aparecimento ou para diagnosticar com precocidade possíveis neoplasias. 

 

Dr. Ricardo Santaella Rosa 

Médico Infectologista

CRM-SP: 33.631