Sou Jenice Pizão, de Campinas/SP, professora aposentada, recebi diagnóstico de HIV em 1990, quando estava com 31 anos e uma filha de 14 anos. Participei da história do MNCP, juntamente com outras mulheres que partilhávamos do mesmo sonho em 2000: um movimento de mulheres com HIV/AIDS de todo o Brasil. Sabíamos da importância de estarmos juntas e organizadas para lutar por políticas públicas que atendessem nossas necessidades e garantissem nossos direitos.

A partir de março de 2020, com as notícias mundiais, mostrando as consequências do coronavírus “entrando” em nossas vidas, juntamente com o discurso e postura irresponsável do Presidente da República, senti que a corda ia roer para o lado dos mais vulneráveis. Estava claro que a COVID 19 não era uma gripezinha, nem doença de maricas e muito menos que atingiria a todos de forma igual. Sem nenhuma diretriz séria do Estado, a população fez o que achou melhor, o que sabia ou podia fazer. Consequentemente, o desemprego que já era grande, aumentou assim como a fome, os despejos, o abandono, as separações, a violência contra as mulheres e, tristemente, o aumento nos casos da COVID e de morte, enfim, um grande desalento.

Relembrei do início da epidemia de AIDS, do meu diagnóstico positivo, do inconformismo perante o vírus e de minha decisão de continuar lutando e escolhendo a VIDA. Ampliei meu olhar para o coletivo e entrei para o movimento de AIDS. Com essa pandemia, a sensação de inconformismo foi a mesma.

Em fins de março/2020, fui convidada por amigas a fim de juntarmos forças e saberes, com trabalho voluntário, produzirmos máscaras para doação. Topei na hora e fui para a logística: entregar os tecidos, pegar as peças cortadas, levar para as costureiras, trazer para casa e entregar aos responsáveis de cada grupo de pessoas em situação de maior vulnerabilidade: moradores de rua, de abrigo, de asilo, de casa de apoio para pessoas que vivem com HIV/AIDS, de periferia, de ONG de mulheres com câncer, indígenas, crianças em situação de vulnerabilidade, vítimas de violência… e conseguimos entregar, até fevereiro de 2021, mais de 4 mil máscaras. Continuamos com o Projeto das Máscaras do Bem, pois a pandemia parece não ter fim.

Em meados do ano, o MLCM+, juntamente com o MNCP, iniciou o Projeto Voluntariado pelas Américas, para apoio em 3 áreas: psicológica, alimentar e de medicamentos, recebendo pedidos de todo país. Entrei no projeto na assistência alimentar, conseguindo atender por volta de 20 pessoas, algumas de minha região. O projeto terminou, mas a fome não. Percebi que algumas mulheres necessitavam desse apoio por mais tempo. Então, continuo pedindo apoio de amigos para comprar e entregar alimentos.

Há algum tempo, me voluntariei no SAE de minha cidade para conversar com pessoas que recebem o diagnóstico recente ou que tenham dificuldade na adesão aos medicamentos, para trocar experiências, contar e ouvir histórias, na tentativa de reduzir o medo e o estigma, mostrar que é possível viver com HIV, que somos pessoas e não um vírus. Quando são mulheres, cis ou trans, as convido para participarem do Flores Vermelhas, um grupo de apoio, de trocas e companheirismo, importante nesse caminhar. Junto com as mulheres do MNCP SP, atualmente, temos reuniões virtuais e assim partilhamos as angústias, alegrias e soluções que cada uma arranjou para melhorar a vida, tornando mais leve, no meio desse clima de desalento.

Entendo que precisamos contribuir para tornar esse mundo melhor, onde as pessoas sintam-se acalentadas em suas necessidades, às vezes com uma palavra, outras, com uma doação, uma cesta de alimentos. A  solidariedade  não é uma opção, é uma necessidade biológica, as pessoas precisam receber a solidariedade das outras para seu fortalecimento, para curarmos umas às outras e a todo planeta.

Jenice – Cidadã PositHIVa