Por: Fabrícia Lins – Psicanalista e Hipnoterapeuta ABEPE -2021-020
Creio que já ouviram falar na expressão “nervos a flor da pele”, pois é exatamente por aí que vamos começar a entender como as nossas emoções interferem na nossa imunidade e o que podemos fazer para nos defendermos dos excessos.
Desde os primórdios as emoções não eram vistas com bons olhos, não podiam ser objeto de estudo científico, o homem civilizado era aquele que “controlava as emoções”, já se defendia que as paixões eram fontes dos nossos desatinos e deveriam ser evitadas, que precisávamos seguir o “dualismo platônico”¹, que nos orienta a seguir pelo caminho da racionalidade
Sempre fomos “educados” a não expressar nossas emoções, a conter o que não se contém. Só que nessa regra esqueceram que nós somos sujeitos constituídos de sentimentos e vivências, e esses sentimentos, muitas vezes, habitam nosso inconsciente e nos levam a seguir por uma estrada que não nos leva exatamente para onde desejávamos ir. É essencial que entendamos que, o homem deve ser guiado pela razão e emoção em conjunto. Elas são instâncias que se mesclam e nos dão uma direção, para o bem ou para o mal.
Nessa ótica, vamos compreender por que isso é tão importante para nossa saúde mental e consequentemente afeta a nossa imunidade. Se dermos ênfase exagerada ou exclusiva a qualquer um dos dois aspectos, emoção/razão, geram-se deformações na personalidade. Certamente seremos mais realizados e psiquicamente mais sadios, à medida que soubermos dosar convenientemente a razão e a emoção, sem termos a pretensão que podemos “controlar” o que é inerente da nossa humanidade.
A contemporaneidade vem nos pressionando na direção de uma “inteligência emocional”, sempre nos condicionando a um devir carregado de culpas e excessos. No sentido de idealizar um ser humano transformado em algo mercadológico, metafísico, reto que se esbarra em termos como: “Você S/A”, “Empresário de si mesmo”, como se o ser humano viesse de uma construção departamentalizada e instrumentalizada de um modo mecanicista de ser. Reto, dividido em caixinhas prontas, sem arestas e extremamente racional. Com um discurso que para fazer parte de um universo pautado no sucesso e na felicidade permanente, você precisa ser proativo, assumir riscos, sorrir sempre, ser altamente racional, estar em evidência nas redes sociais e principalmente, ser COMPETITIVO. Você tem que buscar competir com você mesmo, porque precisa estar sempre em busca da “sua melhor versão”. Esse contexto nos remete a um estado constante de ansiedade, somando-se a isso as contingências naturais da vida e nos dias de pandemia, tendo que se adequar as pressões do “encarceramento da quarentena”, que nos assola e nos atinge profundamente no âmago das nossas emoções e fragilidades mais remotas, impulsionado os nossos medos, gerando conflitos internos, modificando a nossa dinâmica familiar e nos colocando frente a frente com o que mais nos aterroriza: o espelho, o real, o que nós tentamos empurrar para baixo do tapete e que retorna em forma de angústia, estresse, ansiedade, atitudes inesperadas e somatizações é evidente que esse quadro se agrava consideravelmente em condições que denotam um estado de ansiedade constante.
Ok, mas o que é emoção?
A emoção não é algo fácil de conceituar, mas a maioria dos autores concorda em que as emoções são complexos estados de excitação de que participa o organismo todo. (DORIN, 1972, P. 139). Alguns autores admitem dois aspectos em toda emoção: a experiência individual, interna e a expressão comportamental, externa que se manifesta através de uma série complexa de respostas motoras, respostas do sistema nervoso autônomo e respostas glandulares. Ou seja, grosso modo, toda emoção desencadeia uma enxurrada química em nosso organismo que vai preparar nosso corpo para uma resposta comportamental. Ex.: quando sentimos raiva, medo, ansiedade, etc., o nosso corpo se prepara para resolver o que ele acredita que está nos ameaçando, mesmo que esses sentimentos sejam reflexos de uma fantasia (um filme que assistimos, uma história triste, uma música melancólica), enfim, o cérebro não sabe o que é real ou verdade, ele joga nas nossas células uma avalanche de hormônios como cortisol e adrenalina, que em excesso vão bombardear nosso sistema imunológico fazendo com que ele se enfraqueça. O pior disso é que o cortisol e a adrenalina levam em média 8h para saírem da corrente sanguínea e reestabelecer os níveis normais, necessários para o bom funcionamento do nosso corpo e mente. Assim quando estamos ruminando ideias, pensando em coisas ruins, reclamando da vida ou numa ansiedade constante, nosso sistema imunológico está sendo atacado constantemente abrindo portas para somatizações, neuroses e outras patologias, além de nos deixarem mais sensíveis, e pré-dispostos para atitudes explosivas. Do mesmo modo, quando preservamos estados emocionais mais brandos, passamos para o cérebro uma informação do tipo: “olha, está tudo bem, pode ficar tranquilo”, e a resposta se dá pela elevação dos níveis de neurotransmissores como: serotonina, dopamina, endorfina, ocitocina que nos passam a sensação de prazer e bem estar, auxiliando nosso sistema imunológico a se fortalecer. Tudo funciona em prol de uma homeostase biológica (um equilíbrio), que é responsável pela nossa saúde de forma integralizada. Quando buscamos nos conhecer melhor, entender nosso “modus operandi”, nossa forma de sentir, o que nos afeta e como afeta, poderemos assim, encontrar formas mais harmoniosas de nos relacionarmos com o outro, com nós mesmos e com a vida.
De acordo com a saudosa, Dra. Candece Pert², neurocientista, farmacologista e autora do livro Molécula da Emoção), “cada um de nós tem sua própria farmácia de luxo ao preço mais econômico, que produz todos os medicamentos para o bom funcionamento do corpo e da mente”. O que precisamos é estar atentos às nossas escolhas, compreendendo que somos seres que sentem, se emocionam e precisam de cuidados especiais, uma boa dose de acolhimento, muito discernimento e o mais importante, amor-próprio. Essas coisas só conseguimos a partir da construção da maturidade, através do desenvolvimento do autoconhecimento, empatia e conhecendo muito bem as nossas emoções, e claro, sendo gentis com elas, acolhendo-as e respeitando o tempo de cada uma delas. Às vezes aconselhamos aos nossos amigos que estão em momentos difíceis: “tenha calma, se acolha, busque se amar mais, que tudo se transforma em possibilidades e aprendizado”, mas esquecemos de olhar no espelho e dizer isso para a gente também. Se acolher, se amar e se preservar das pessoas tóxicas. A regra a seguir é a da segurança da máscara de oxigênio do avião: “em caso de despressurização, ponha primeiro a máscara em você, depois no outro”. Não é uma questão de egoísmo, é lógica, você não vai poder cuidar do outro se não cuidar direito de você.
Os psicólogos definem os estados emocionais com base na duração. Pesquisas indicam que as reações fisiológicas iniciais – as quais incluem expressões faciais – costumam durar alguns segundos. Uma emoção dura de segundos a horas. Se persiste por mais tempo, é considerada um temperamento; e se temos uma tendência a reagir dessa forma, é parte de nossa personalidade. Assim o autoconhecimento é o passo mais importante para que possamos viver em harmonia com nossa forma de ser. Não quer dizer que vamos viver eternamente em estado zen, mas com certeza vamos evitar muitas confusões e a nossa saúde agradece. Para isso recorremos a um bom entendimento do que seja saúde mental e o que ela pode contribuir para nossa qualidade de vida.
Então, o que é saúde mental e o que ela tem a ver com a nossa qualidade de vida?
Para a OMS (Organização Mundial de Saúde), a “saúde mental é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a mera ausência de doença ou enfermidade”. Enfatizando que a saúde mental é mais do que a ausência de transtornos mentais ou deficiências. É a partir dela que nós poderemos ter condições de realizar nossas próprias habilidades de lidar com as tensões da vida, trabalhar de forma produtiva e contribuirmos para a comunidade, componente fundamental para nossa capacidade coletiva e individual, como seres humanos, para pensar, nos emocionar, interagir uns com os outros. Ou seja, sua promoção, proteção e restauração é vital para nossas experiências individuais, coletivas, de sociedade e de mundo.
Antes de fechar nosso “bate papo por escrito”, gostaria de trazer algumas informações importantes. Segundo a OMS, ao menos 18,6 milhões de brasileiros, cerca de 9% da população, sofrem de algum transtorno de ansiedade. Sem a correta identificação do quadro ou busca por tratamentos, os números podem ser ainda mais alarmantes, desencadeando uma série de outras doenças ou comportamentos depressivos capazes de inibir e afetar interações sociais. De acordo com os dados divulgados em 2014 pela Universidade de São Paulo (USP), foi constatado que os moradores da capital paulista têm índices de ansiedade semelhantes aos países em guerra. Com a Pandemia da COVID-19, esses quadros se agravam consideravelmente, devido a um estado de insegurança coletivo e constante, o medo, as incertezas, o luto interdito, as perdas de vários tipos: por morte, financeiras, da liberdade de ir e vir, a convivência forçada com família, a ausências dos amigos. Tudo isso contribui fortemente para desencadear transtornos de ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático (TEP) e outras comorbidades do corpo e da mente. Não basta se exercitar e se alimentar bem, é preciso cuidar bem das nossas emoções. Ser parceiros delas e não chefe. Parceiro compreende e cuida, chefe tenta controlar e esgota.
De acordo com o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), ansiedade é a antecipação apreensiva de um futuro perigo ou infortúnio acompanhados por uma sensação de disforia ou de sintomas somáticos de tensão. O foco do perigo antevisto pode ser interno ou externo. Já o estresse é definido como aquilo que sentimos quando acreditamos que não somos capazes de lidar com as demandas com que nos deparamos. Freeman, Daniel (2015, p.21-22). E o transtorno de estresse pós traumático (TEP) costuma ser desencadeado por desastres mais comuns. A pessoa vivenciou, testemunhou ou foi confrontada com um ou mais eventos que envolvem morte ou grave ferimento, reais ou ameaçados, ou uma ameaça à integridade física, própria ou de outros. Ex.: acidentes de trânsito, violência sexual, morte repentina de entes queridos, roubo, tortura, ou ser diagnosticado com uma doença potencialmente fatal. No contexto da pandemia de COVID-19 estudos apontam para um crescimento considerável no número de pessoas com algum tipo de ansiedade, estresse, depressão, síndrome do pânico e sem dúvida do (TEP). O que nos coloca diante de uma necessidade extrema de olharmos com mais cautela para os nossos estados emocionais e buscarmos algum tipo de ajuda.
Para cuidar da nossa saúde mental nada melhor do que buscar ajuda com um profissional especializado seja ele psicanalista, psicólogo (a), ou psiquiatra (se houver necessidade de medicalização). Porém, há algumas atitudes que podemos reavaliar em nossas vidas que podem diminuir o nosso estado de ansiedade, tais como: exercícios aeróbicos; dieta saudável; dormir bem e no tempo necessário, estabelecer rotinas, ler, buscar um propósito para para os nossos projetos, técnicas de relaxamento (em que você pode aprender a relaxar os músculos progressivamente); massagem; yoga; atenção plena (midfulness) , uma síntese do pensamento moderno ocidental e de antigas cresças e práticas budistas, em particular a meditação, que enfatiza aprender a viver o momento presente e a entender que seus pensamentos e sentimentos são temporários, transitórios, e não necessariamente um reflexo da realidade. Freeman, Daniel (2015, p.154).
Então, sinta-se convidado (a) a viver a vida de forma mais leve, no presente, uma coisa de cada vez. E compreenda que não somos perus, que morrem de vésperas e que precisamos profundamente desse olhar para dentro, do cuidar de si e se olhar no espelho para conhecer melhor essa pessoa que você é. Como dizia nosso saudoso Flávio Gikovati, “tenha a mente porosa para o aprendizado. Cuide-se e se jogue, que a vida é bela.
¹Na filosofia de Platão encontramos a dualidade entre a alma e o corpo. Segundo ele, o ser humano era imortal e essencialmente alma, donde ela pertencia ao mundo inteligível (apreendido pelo intelecto) e não o mundo sensível (apreendido sobre os sentidos.
²Candace Beebe Pert (26 de junho de 1946 – 12 de setembro de 2013) foi uma neurocientista e farmacologista americana que descobriu o receptor opiáceo , o local de ligação celular para endorfinas no cérebro