Lendo os absurdos que disse sobre a epidemia de AIDS, existente no Brasil desde meados da década de 80, entendo o quanto está desinformada na melhor das hipóteses. O mais grave é que seus desatinos, colocam em risco muitas “ovelhas”, perigosamente tão mal informadas quanto a senhora, destilando enorme preconceito que nada constrói. Entende sua responsabilidade?
Como quero crer que não seja uma pessoa do mal, só sem noção da realidade, resolvi escrever essa carta, partilhando um pouco de minha história, que é a de muitas outras pessoas que vivem com HIV/AIDS. Sem ironias, se ficar difícil, peça ao Espírito Santo trazer amor e lucidez ao seu coração para entender o tamanho de sua responsabilidade.
Sou uma mulher de 61 anos, professora aposentada, grisalha, mãe e avó, feliz e resolvida espiritualmente. Tenho diagnóstico de HIV/AIDS há 30 anos, infectada em um relacionamento que vivi. Sim, me infectei acreditando no amor, assim como tantas outras pessoas.
A informação da época era preconceituosa, equivocada e, perigosamente, vinculava a epidemia à determinado “grupo de risco”. Juntamente com centenas de outras pessoas, entendi, equivocadamente, que não fazia parte desse “grupo”, logo, poderia fazer sexo sem usar preservativos pois estava segura.
Depois de um tempo, informações mais seguras começaram a serem vinculadas e os equívocos foram sendo esclarecidos. Aprendemos que o grande risco que corremos é o “estar vivo”, que não havia determinados “grupos de risco” e sim comportamentos mais ou menos vulneráveis que nos colocavam em maior ou menor risco. Aprendemos que não é a orientação sexual ou a quantidade de parceiros que nos coloca em risco e sim os comportamentos e circunstancias. Que se usássemos preservativos não haveria a infecção por doenças sexualmente transmissível, mesmo com inúmeros parceiros (atualmente existem outros métodos de prevenção, se informe sobre isso).
Mas daí, muita gente já tinha se infectado, inclusive eu. Tivemos que aprender a viver com o medo que o estigma e o preconceito trouxeram para nós e às nossas famílias. Sabia q muitos perderam seus empregos, familiares se afastaram. Muitos vieram a óbito, não só pela síndrome, mas também pela AIDS social que a segregação, originária da falta de informação adequada e segura, nos trouxe e que continua nos impactando, mesmo depois cerca de 38 anos do 1º. caso de AIDS no Brasil.
Aprendemos a viver com o vírus HIV. Criamos Grupos de Ajuda Mútua, ONG, Redes de Pessoas que Vivem com HIV/AIDS: mulheres, adolescentes e jovens, cada um com sua especificidade, além da imprensa, gestores da saúde e profissionais de diversas áreas, comprometidos com a saúde pública/SUS. Era necessário estar juntos para lutar por políticas públicas que atendessem as emergências que a AIDS nos trazia. E, principalmente, para lutar contra o preconceito e a discriminação que ainda continuamos a sofrer, pelas informações erradas e cheias de preconceitos destrutivos – que ainda teimam em existir.
Após estas informações, finalizo a carta pedindo que não use o nome de Deus para espalhar sandices preconceituosas. Use suas mídias para espalhar a vida, com informações seguras, científicas e com responsabilidade.
Fique na Paz de Deus.
Jenice Pizão – [email protected] – Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas
Texto publicado na Agência de Noticias da Aids
https://agenciaaids.com.br/artigo/carta-a-senhora-ana-paula-valadao/