Nos últimos meses, os meios de comunicação têm veiculado e proposto debates difusos com profissionais de várias áreas, economistas, educadores, sociólogos, analistas políticos e um grande número de intelectuais sobre o que se recomenda para este”novo normal”.

Usam esta expressão referindo-se ao possível novo modo de organização social, política, econômica e cultural em um contexto pós-pandêmico.

Elaboram hipóteses sobre como a economia deve se reorganizar, a gestão política deve reestruturar-se, as relações humanas devem se alterar etc. E, particularmente, como estas áreas devem se relacionar com o campo digital.

E assim, tais ponderações vão definindo o que será o “novo normal”.

Entretanto, antes de prosseguirmos, devemos nos colocar uma questão: o que é “normal”? Uma pergunta que exige uma análise para além da nossa compreensão cotidiana do termo. Provavelmente, se alguém for questionado sobre “o que é o normal”, dirá que é o comum, aquilo que é aceito pela sociedade, ou ainda, o que todo mundo faz. Dessa maneira, a expressão “novo normal”, parece afirmar aquilo que passará a ser comum, corriqueiro, frequente e, assim, determinará nosso modo de viver, exigindo que nós nos adequemos a essa tal normalidade. Ao buscar a definição de como as coisas serão, o “novo normal” se transmuta em ideologia. Nessa discussão sobre a ideia de normal é que a tentativa de definição deste conceito sempre vem acompanhada de um processo lateral de exclusão daquilo que não se enquadra em seus limites.

O fato é, o novo coronavírus causou mais que uma crise sanitária, agravou as crises econômica e social, evidenciando as vulnerabilidades de muitas mulheres vivendo com HIV/AIDS, especialmente as que tiveram alta médica depois de 15, 20 anos de aposentadoria. Em perícias questionáveis, realizadas em sua grande maioria com uma análise superficial, ignorando as peculiaridades, caso a caso.

O Instituto Nacional da Seguridade Social cerceou o provento dessas mulheres, desconsiderando a vulnerabilidade social, e as colocou em pé de igualdade com milhares de outros brasileiros saudáveis, porém igualmente desempregados, a galgar uma vaga de emprego. A pergunta que não pode calar: como terão acesso ao mercado de trabalho dinâmico e digital sendo que o Estado não respeitou o direito constitucional, da oferta de estratégias para reabilitação ao serem desapontadas? A soma disso é desalento e miséria de muitas dessas mulheres, independente de gênero.

A pandemia causada pelo novo coronavírus, mais do que instaurar uma nova situação de realidade, um modo distinto de relação social, trouxe à tona uma série de discussões que tentamos, durante anos, varrer pra debaixo do tapete: a exclusão social, a discriminação, o preconceito, o racismo, a miséria, o desemprego, a importância e a limitação da saúde pública brasileira, a incapacidade do mercado de gerir-se a si próprio, a capacidade (e seus limites) do Estado na gestão de problemas sociais, a fragilidade dos laços sociais.

Em vista disto, aquilo que se vende como “novo normal” é a mesma velha conhecida realidade social brasileira, com uma pequena, mas significativa mudança: as vísceras da miséria, do caos social e da crise das instituições estão escancaradas. Para ocultar todas essas questões, são vendidas como “novas” realidades, o “Novo Normal” posto em sua generalidade vazia torna-se uma ideia medonha. O mundo que vivíamos nunca mais será o mesmo, dizem alguns intelectuais, mas não significa que virá um novo.

Sandra Maria de Paiva Pereira  é graduada  Bacharel  em Serviço  Social pela Fundação Educacional de Fernandopolis (FEF) , com experiência em HIV/Aids e Hepatites Virais, atuou  como assistente social na saúde pública em Taboão  da Serra – SP. Atualmente está aposentada