A violência contra a mulher é um problema histórico e cultural que aflige não só o Brasil, mas o mundo. É, ainda, uma das principais formas de violação dos direitos humanos, atingindo as mulheres em seu direito a vida, a saúde, a integridade física e liberdade. Em tempos de isolamento social, devido a pandemia do coronavírus, a incidência dos casos de violência aumentou sobremaneira, como explica a delegada de polícia, Ângela Fellet, num bate papo com as Cidadãs Posithivas (MNCP)

MNCP: Sabemos que o isolamento social é necessário, mas traz fatores de risco para as mulheres que podem ocasionar o aumento de casos de violência. Como tem sido isso no seu dia a dia na delegacia?

Os casos de violência têm aumentado muito. No início da epidemia, lá em março quando tudo começou, as mulheres e todo o mundo, ficaram com muito medo de sair de casa, medo do que podia acontecer. Então, todo mundo ficou recluso em casa e não iam até a delegacia. Depois, quando a pandemia foi sendo explicada, orientando as formas de prevenção como o uso de máscara, atendimento individualizado, álcool em gel e distanciamento, as mulheres começaram a voltar à delegacia, dizendo que estão sofrendo violência doméstica desde o início da epidemia.

MNCP: Quais são as maiores queixas das mulheres em relação a violência?

O fato do agressor ou potencial agressor passar o dia inteiro com a mulher dentro de casa é muito provável dele ficar controlando o celular, restringindo mais ainda, fazer até um cárcere privado, mas a violência moral, psicológica e física, aumentaram muito. Infelizmente no Brasil inteiro. Isso, porque os nervos ficam a flor da pele, ainda, o uso excessivo de álcool e drogas é um propulsor disso. Estes são gatilhos que impulsionam para qualquer tipo de violência.

MNCP: Há possibilidade de subnotificação do registro das ocorrências?

Sim. No início da epidemia houve uma diminuição no número de mulheres procurando a delegacia de polícia, mas isso não significa que diminuiu o número de ocorrências de violência doméstica e sim o número de registro dessas violências.

MNCP: Há notificações de denúncias realizadas por mulheres que vivem com HIV/Aids em busca de justiça por violência devido sua condição sorológica?

Em quatorze (14) anos de polícia e seis (6) de delegacia de mulheres eu nunca peguei um caso desse. Isso, com certeza, no mínimo se enquadra no caso de difamação ou violência psicológica. Ainda que não seja difamação, mas, ficar falando para terceiros que ela tem HIV ou qualquer outro tipo de doença, estará fazendo disso uma discriminação e deve responder criminalmente. Ainda que não caia em nenhum crime, isso é violência psicológica, o que dá direito a medidas protetivas.  Se tiver no contexto de violência doméstica familiar, ou seja, se houver relação de afeto ou coabitação, namoro ou casamento atual ou passado, isso dá justiça sim.  Não tem dados específicos sobre esses casos, mas posso até conferir.

MNCP: Que orientação a doutora daria para mulheres que vivem com HIV/Aids e sofrem violências como xingamentos, acusações, apontamentos por serem HIV positivas, mesmo violência física ou sexual?

Então, seja qual for o problema, as mulheres tem que fazer um boletim de ocorrência em qualquer posto da polícia militar. Ela tem que se dirigir à delegacia e pedir providências criminais, como: medidas protetivas, instauração de inquérito ou danos morais em virtude disso. Ela vai receber uma guia para fazer corpo de delito se tiver alguma lesão corporal. Se for crime sexual, deverá ir para o Hospital de pronto Socorro (HPS) fazer os exames.

É tanto machismo que os homens pensam o seguinte: “ah se ela é soropositiva é porque ela já transou com um monte de homem, ela não é mulher honesta. Isso hoje já não é mais admitido. Homens e mulheres são iguais e, usar disso para agredir, vai ser uma causa ganha, frente a justiça. Ainda que não haja crime, pode ganhar danos morais na esfera civil.  Já não basta o sofrimento que a pessoa passa por ser soropositiva e ainda ter que ouvir isso? É isso que tempos que fazer, incentivar sempre as mulheres a denunciarem. Não podemos ficar paradas diante dessas situações, porque isso só multiplica.

Uma informação importante: A partir de agora, mulheres que estão em situação de violência doméstica podem pedir ajuda em farmácias de todo o país. Uma campanha promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pela associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) pretende incentivar as vítimas de violência doméstica a denunciarem agressões nas farmácias.

Pela Campanha sinal Vermelho contra a Violência Doméstica basta mostrar um X vermelho na palma da mão para que o atendente ou o farmacêutico entenda tratar-se de uma denúncia e em seguida acione a polícia e encaminhe o acolhimento da vítima.

A ação é voltada para as mulheres que têm dificuldade para prestar queixa de abusos, seja por vergonha ou por medo. A vítima, muitas vezes, não consegue denunciar as agressões porque está sob constante vigilância. Por isso, é preciso agir com urgência.

Lembrando, também, que estamos trabalhando normalmente das 8:30h às 12:00h e 14:00 às 18:30h, apenas seguindo o protocolo de distanciamento e atendimento mais individualizado, afirma a doutora Ângela.

Um Levantamento sobre a violência doméstica entre os meses de março e abril deste ano, durante a pandemia do novo coronavírus, apontou que os casos de feminicídio no país aumentaram em 5% em relação a igual período de 2019. Somente nos dois meses, 195 mulheres foram assassinadas, enquanto em março e abril de 2019 foram 186 mortes. Entre os 20 estados brasileiros que liberaram dados das Secretarias de Segurança Pública, nove registraram juntos um aumento de 54%, outros nove tiveram queda de 34%, e dois mantiveram o mesmo índice.

O levantamento faz parte do monitoramento quadrimestral da série de reportagens “Um vírus e duas guerras”, que será publicada ao longo de 2020. O objetivo da série é viabilizar esse fenômeno silencioso, fortalecer a rede de apoio e fomentar o debate sobre a criação ou manutenção de políticas públicas de prevenção á Violência de Gênero no Brasil.

Dra Ângela Fellet é Delegada de Polícia, titular da Delegacia de Mulheres de Juiz de Fora

Especialista em Segurança Publica e Cidadania  

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