Se já não bastasse todo sofrimento emocional do impacto de um diagnóstico pelo HIV, o resultado positivo para o coronavírus, além da dor física nas pessoas, mostra sua outra face: o preconceito vivido pelos que passam pela doença.

Mulheres que vivem com HIV/AIDS, afetadas também pela COVID 19, relatam o medo da doença e o preconceito que não está dentro dos hospitais ou nos serviços de saúde, mas nas pessoas fora deles.

Juliana, 39 anos – Diagnosticada com a COVID 19 no mês de março, não tem certeza sobre onde teve contato com vírus mas acredita que, mesmo se prevenindo, pode ter sido na feira, pois precisava trabalhar ou no hospital de referência para HIV/AIDS, onde tem acompanhado uma companheira que precisava de ajuda

Isolamento

Juliana diz ter sofrido muito com o isolamento. “Fiquei 15 dias trancada em meu quarto. Em alguns momentos tive vontade de desistir. Tive crises de choro e ao mesmo tempo pensava em meus filhos. Várias vezes o pânico tomou conta de mim”, desabafa.

Já está curada mas nos relata que o impacto do resultado para a COVID 19 foi maior do que para o HIV. Quando recebeu o diagnóstico para o HIV já havia os antiretrovirais para o tratamento, ao contrário do coronavírus que, por ser do grupo de risco, poderia ser sua sentença de morte.

Apoio e cuidado da equipe médica
Segundo Juliana, ela não tem nada a reclamar da equipe médica, desde o momento que recebeu o resultado do exame, foi acompanhada de perto. A proximidade da família a ajudou muito apesar de, no mesmo período, 6 (seis) membros da família ter diagnóstico positivo para a COVID 19 e destes, 3 (três) foram a óbito.Para ela, o isolamento social é a melhor forma de prevenção. As pessoas precisam compreender que é necessário manter o distanciamento. Ainda sente muito medo de um segundo pico de contaminações e ter que ver mais pessoas morrendo de forma rápida por conta do vírus. Prevenção, uso correto de máscaras, higienização das mãos e não fazer aglomeração é a melhor forma de auto cuidado e também de cuidado com o próximo, afirma Juliana.

Preconceito
È muito ruim quando sentimos o preconceito vindo de pessoas que amamos. Em todo esse período recebi apoio da equipe de saúde, vi a preocupação de minha família e alguns amigos mas, uma amiga quase saiu correndo quando me viu. Se por medo ou preconceito eu não sei mas, sua atitude me deixou desconcertada” , diz Juliana.

Fênix, 44 anos – Preocupada com toda essa pandemia, com o marido e seus dois filhos, Fênix nos relata que só saía de casa uma vez por semana para ir ao supermercado. Sua filha, com 10 (dez) anos começou a sentir todo o afastamento e, com isso veio o pânico. Por mais que tentasse acalmá-la, não obteve sucesso. Dessa forma foi preciso buscar ajuda profissional. O diagnóstico médico para a filha foi depressão devido a pandemia. Aí começou sua jornada, visitas ao serviço de saúde para acompanhamento médico e psicológico
Diagnóstico – COVID 19 e auto preconceito
O Serviço de Atendimento Especializado (SAE) dispôs de testes para COVID 19 aos pacientes assistidos. Assim, Fênix e o esposo foram chamados para serem testados – “Quando a enfermeira chefe me colocou dentro de uma sala e disse: “seu teste deu positivo IGM, isso significa que você está no auge da transmissão e, terá que se isolar dentro de casa”, eu logo pensei em milha filha, já com pânico por causa dessa pandemia e, comecei a chorar”.
O marido e, logo depois também seus filhos, testaram negativo. “Me senti como um ET, andava com um litro de álcool. O preconceito vinha de mim mesma pois eu não queria tocar em nada, recebi por um período comida congelada depois, voltei a cozinhar com máscara mas ninguém podia entrar na cozinha sem antes eu passar litros de álcool em tudo”, afirma Fênix.

Medo e revolta
Fênix relata que teve medo de não sobreviver a doença. Teve medo de sentir falta de ar, das gotículas que pudessem sair de sua boca ao falar e infectar sua família, sofreu muito por não poder abraçar seus filhos e esposo. Mas, seu sofrimento não acabara após vencer a quarentena. Sua filha, começou a ter sintomas como febre acima de 38º, garganta inflamada e muita fraqueza. Imediatamente foi levada ao pronto socorro. Com indignação Fênix nos relata “Me senti revoltada com a médica que não quis testar minha filha para a COVID 19, mesmo sabendo que eu estava positiva. Ando meio desacreditada de Deus. Acho que Ele não gosta de mim
Esse codinome foi pedido por Fênix porque expressa o sentimento que a toma nesse momento – renascendo das cinzas. Apesar de ter o apoio de sua família, Fênix, assim como muitas outras mulheres que vivem com HIV/AIDS concordam que o preconceito e os estigma da doença são também grandes obstáculos a serem vencidos. O medo da reação da sociedade ainda faz com que muitas pessoas escondam sua sorologia e, pior, que não façam o tratamento.

Sol, 42 anos – Sem trabalho fixo, sem poder fazer os chamados “bicos” por causa do coronavírus, Sol enfrenta o medo, o preconceito das pessoas e o tédio do isolamento. “Engordei um bocado, a gente pensa muita besteira, fica desanimada e, parece que para compensar tudo isso, a gente só come, come, come”.

Ser grupo de risco

Positiva para o vírus HIV a 18 anos e com diabetes, relata o medo de complicações durante o período em que esteve isolada. “Vi muitas pessoas sadias morrendo e então pensei: Meu Deus com tantos problemas de saúde, vou morrer, tive muito medo”

Apesar de tudo o que já passou, Sol afirma que o preconceito que já viveu, veio de onde ela menos esperava, da família, e garante: “(…) me senti tão mal que adoeci de ver aquela situação…”

Não sabe como foi infectada mas ressalta: “para as pessoas que não foram infectadas o melhor a fazer é ficar em casa pois, é o meio mais seguro que existe para não ter que enfrentar a doença – fique em casa, se puder”

O que diz o médico

De acordo com o médico infectologista Ricardo Santaella Rosa a partir do momento em que um paciente foi curado do coronavírus, não há possibilidade de ele ser um transmissor. “O paciente transmite o vírus por aproximadamente 14 dias a contar do começo da infecção. Não mais que isso”.Não se sabe com certeza absoluta se quem teve infecção pelo coronavírus adquire imunidade duradoura. Quer dizer, se fica protegido de outras infecções. Acredita -se que a maioria pode ficar protegida mas não se sabe por quanto tempo. Inclusive isso pode afetar a eficácia de uma possível vacina”.
O médico ainda esclarece que uma coisa é ficar livre do vírus, outra coisa é ficar curado da doença. “Ficar livre do vírus provavelmente todos ficam depois de aproximadamente duas semanas de infecção. O problema é que se o paciente desenvolve a doença, principalmente os casos mais graves, os sobreviventes podem ficar com sequelas sérias, como doenças respiratórias crônicas, episódio de embolia, acidentes vasculares, insuficiência renal, quadros neurológicos, etc”, finaliza.
Diante dos depoimentos e esclarecimento médico, notamos que as repercussões do estigma e preconceito pela infecção a COVID 19 podem levar pessoas a esconder a doença com medo da discriminação, assim como ainda acontece com o HIV/AIDS, que desencoraja pessoas a buscar atendimento médico ou mesmo entram numa profunda depressão. A estigmatização e o medo só dificultam a resposta. È preciso substituir o estigma e o preconceito pela solidariedade, pelo respeito ao próximo e pela garantia de direitos. Entendemos que só dessa maneira conseguiremos minimizar os efeitos emocionais e sociais dessa pandemia.