Hoje com 65 anos, falar da minha história é algo que me faz olhar o passado como uma escola para permanecer em pé e vivendo com qualidade.

Em 1973 realizei o meu maior sonho, me casar com a pessoa que eu amava. Ele foi meu primeiro namorado e, mesmo com a falta de aceitação de minha família, insisti no casamento.

No inicio foi tudo perfeito, mas com o passar do tempo comecei a descobrir quem verdadeiramente era o homem com quem eu partilhava minha vida. Ao final de cinco anos de casamento nos separamos, por iniciativa minha. Estava cansada de tantas traições.

Deixei meus dois filhos sob a guarda de minha mãe e fui morar fora, pois ele se negava a sair de lá dizia que “os incomodados que se mudem”.

Eu trabalhava na Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de São Paulo o que garantia meu sustento. Mas eu já estava vivendo um processo onde o álcool fazia parte de minha vida diariamente. Isso não me parecia nada mal – “afinal o que tem de mais tomar um vinhozinho quando chegamos em casa”.

Sem perceber a dependência alcoólica se instalou. A maconha foi a segunda droga que experimentei e junto com o álcool passou a ser minha rota de fuga. Parecia algo tão inocente, que me deixava leve, descontraída. Não demorou para que o álcool e a maconha me fizessem perder a assiduidade ao trabalho, passei a ser evitada e vista como inconveniente entre o grupo de amigas.  Sem controle sobre nada fui perdendo tudo principalmente os filhos e o trabalho. Fui morar na rua, vendendo drogas para sustentar o vício. Meu uso de cocaína era injetável e compartilhávamos a mesma seringa por um grupo de pessoas.

Um dia fui levada ao hospital com uma infecção em uma válvula de o coração, porém não pude ser operada. Naquele momento recebi o diagnóstico – AIDS.

Hoje, analisando tudo o que vivi, percebo como o uso de drogas conduz a mulher a uma situação de vulnerabilidade, social, física, emocional e espiritual. Conduz à marginalidade, no qual o seu corpo se torna moeda de troca, expondo-a ao HIV/AIDS, as IST’s, as Hepatites, Tuberculose, gravidez, muitas vezes precoce, pois temos mulheres jovens, para não dizer crianças, expostas pelo uso abusivo de drogas.

Infelizmente o Governo ainda não conseguiu um programa que seja exitoso para o resgate dessas mulheres. Algumas pedem ajuda e são abrigadas por um curto período em clinicas de recuperação, na maioria das vezes pagas.

Essa realidade vivida por mim em 1980 só piorou nos tempos nos últimos anos. A droga tomou conta do país. O crack, uma das drogas com menos custo, em pouco tempo de uso destrói a usuária. A dependência química, como é reconhecida, é uma doença bio-psico-social e, portanto necessita de uma equipe multidisciplinar para tratar. O confinamento não é suficiente para resgatar essa mulher. Lembrando que a grande maioria das mulheres dependentes químicas, que vivem nas ruas, tem problemas de desestrutura familiar.

Para quebrar a cadeia de uso e destruição contei com o apoio de várias pessoas. Entre elas, a Assistente Social do Instituto Emilio Ribas, que me encaminhou para a Casa de Apoio Alivi e, depois para a Associação LAR, em Osasco.  Foi nesta casa onde entrei em processo de recuperação, através do programa de Narcóticos Anônimos e Alcoólicos Anônimos no qual permaneci internada por um ano.

Tornei-me, graças ao investimento de nosso amigo e mentor Nivaldo Aguiar, fundador da Casa de Apoio, Coordenadora de Comunidade Terapêutica. Agradeço a Deus, à minha família, meus companheiros de recuperação, companheiros do Movimento de AIDS (RNP+), em especial ao Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas porque hoje tenho minha vida de volta, minha dignidade, minha cidadania, meu auto respeito restituídos. Tenho ciência de que não posso usar nenhum tipo de droga, pois a dependência é mais forte que minha vontade.

A AIDS resignificou minha vida, me tornou mais forte, responsável, produtiva e o mais importante, feliz compartilhando minha vida e casa com meu amado filho.

Maria Elisa da Silva

Representante Municipal do Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas São Paulo

Coordenadora de Comunidade Terapêutica