Nesse sábado (9), na semana de comemoração do  Dia Internacional da Mulher ,a Agência Aids dá continuidade à série de depoimentos de mulheres que trabalham e convivem diariamente com a luta contra o HIV no Brasil. Nessa série, você vai conhecer as inspirações, expectativas para o futuro e desafios mulheres que trabalham na luta contra o HIV no Brasil. Confira, a seguir, alguns dos relatos:

Jenice Pizão, uma guerreira que levou às soropositivas dos mais escondidos cantos do Brasil, da África e de países latino-americanos a luz da consciência sobre seus direitos de cidadãs positivas. Professora de história aposentada, ao lado de Nair Brito, fundou em 2004 o histórico Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas e passou treze anos se dedicando quase integralmente a ele. Não dá para fazer as contas de quantas viagens, oficinas, projetos, manifestações ela liderou, tendo como meta conscientizar e empoderar as mulheres com HIV/aids.

Uma história, relato que te impactou em sua história profissional?

A história que impactou minha vida profissional – olhando para o meu umbigo, de mulher que recebeu o diagnóstico de HIV aos 31 anos, parece que todas as pessoas saíram correndo de perto de você. Então no dia seguinte ao diagnóstico, no meio de explicações sobre a Peste Negra, na Idade Média, fiz uma analogia do viver com HIV e o medo da Peste Negra. Parei, olhei os alunos e imaginei: se soubessem do meu diagnóstico, provavelmente sairiam todos correndo. Naquele momento, em 1990, foi muito doloroso. Imagino que o impacto do diagnóstico continue sendo esse filme de terror. Daí a necessidade de projetos de prevenção constantes, sem hipocrisia, nem moralismo, para que as pessoas não tenham que sentir esse desamparo.

Qual a personalidade feminina que te inspirou?

Personalidade feminina que marcou minha trajetória – Jeni, minha mãe, foi uma grande mestra, dizia: “filha, tudo passa nessa vida porém lute sempre pelo que acredita”. No ativismo conheci mulheres marcantes com quem muito aprendi, como Beatriz Pacheco, Daria Dal Zuffo, Edna, Katia Souto, Jacqueline Côrtes, Silvinha e muitas que partilhei saberes. Mas sem duvida, Nair Brito foi significativa nessa trajetória. Quando vi um rosto de mulher, na capa da VEJA, assumindo o HIV e que atraves de sua luta, outras pessoas tiveram acesso aos ARV pelo SUS, foi maravilhoso. Foi importante entender que era possivel viver com HIV sem culpa. Era a certeza que faltava: eu queria conviver, conhecer, aprender e partilhar saberes com outras mulheres para enfrentarmos essa epidemia. Entendi que nosso fortalecimento passava por um movimento só de mulheres ativistas, surgindo anos depois, o MNCP.

O que você espera para o século XXI na luta contra aids?

Para o século XXI, sem dúvida, quero fortalecer o SUS e que apareça a cura para quem vive com aids. Também precisamos parar com da hipocrisia de que ainda tem dado o tom aos discursos homofóbicos, racistas e machistas. Qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade percebe que, se a sociedade não discutir Direitos Humanos, vai perder a luta de prevenção das IST’s, hepatites virais e do HIV.

Dra. Adele Benzaken, possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Amazonas e doutorado em Saúde Pública – FIOCRUZ / Escola Nacional de Saúde Pública (2009). Foi diretora da última gestão do Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. Membro do comitê de certificação da eliminação da sífilis e do HIV da OPAS-Organização Pan-Americana de Saúde, vice presidente do comitê de especialistas da OMS – Organização Mundial de Saúde.

 

Uma história que impactou sua trajetória profissional?

No início dos anos 80 e 90 as histórias eram complexas e marcavam profundamente os profissionais que tinham sensibilidade e eram abertos a atenderem pessoas com HIV. A história que mais me impactou era de uma menina que vivia em situação de rua, tinha 11 anos de idade e foi levada pelo serviço social de Manaus porque ela apresentava uma IST, o Cancro Mole. Esporadicamente ela se prostituía para conseguir comprar drogas. Seu apelido era Chiquichita por ser bem pequena. Quando veio seu resultado positivo para o HIV impactou muitas pessoas da instituição em que eu trabalhava e, então, resolvemos adotar ela. Nós a ensinamos a trabalhar com computador, fazia serviços administrativos no hospital e foi feliz por um tempo, apesar das recaídas. Em uma dessas recaídas ela voltou gestante e fizemos uma abordagem para que ela mantivesse o tratamento. Após algum tempo do nascimento do bebê, ela engravidou novamente. Em nenhum dos casos o HIV foi transmitido. Outro dia, novamente, Chiquita desapareceu e os meninos ficavam nas casas de acolhimentos ou em nossas próprias casas. Algum tempo depois, recebi uma ligação afirmando que ela estava no presídio. Depois de um ano, ela foi liberada e desapareceu novamente. Quando voltou, estava tão mal que quase não a reconheci. Ela acabou falecendo aos 24 anos de idade.

Qual a personalidade feminina que te inspirou?

Valéria Petri era dermatologista que detectou os primeiros casos de sarcoma de kaposi. Ela era muito atuante no início da epidemia.

O que você espera para o século XXI na luta contra aids?

Espero o dia da cura, que agora está bem próximo. O mais interessante é que, no início da epidemia, descobriram que um grupo de profissionais do sexo nunca se infectava pelo HIV, e é por aí que deve sair a cura, visto o caso de Berlim e o caso de Londres. Sou otimista e acho que ela pode estar próxima finalmente.

Dra. Tânia Mara Varejão Strabelli é médica infectologista, possui Graduação em Medicina pela Universidade de São Paulo (1983), Mestrado em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Universidade de São Paulo (1992) e Doutorado em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Universidade de São Paulo (1996). Atualmente é Diretora da Unidade de Controle de Infecção Hospitalar do Instituto do Coração e Médica do Hospital das Clínicas.

 

Uma história que impactou sua trajetória profissional?

Em 1985, terminei a residência médica em infectologia. Fui formada para diagnosticar, tratar e curar pacientes com doenças infecciosas. No final da residência, começamos a ter os primeiros casos de aids. Pacientes jovens, que tinham várias infecções evoluindo com piora progressiva que resultava em morte em menos de 24 meses após o diagnóstico. Muito preconceito por medo de contaminação da sociedade, dos colegas médicos, dos hospitais, que inicialmente internavam estes pacientes em andar separado. Tive que lidar com situações novas, para as quais não estava preparada. No Natal de 1995, houve um acontecimento que me marcou muito e retrata bem o sentimento desta época. Estava de plantão à distância na véspera de Natal, com bip na época. Recebi um chamado e ao retornar a ligação o paciente disse que havia me ligado para agradecer a toda a nossa equipe pelo tratamento que estava recebendo, porque sabia que este seria o seu último Natal. Recebi outras duas ligações semelhantes e realmente nenhum deles estava vivo no Natal seguinte. Felizmente, a partir de 1996, surgiram os inibidores de protease, drogas que mudaram o perfil da doença. Atualmente, trata-se de uma infecção controlada por medicamentos, ainda necessários por toda a vida, mas que permitiram aos pacientes planejar suas vidas, realizar seus sonhos, construir uma família. Infelizmente, novos casos de infecção continuam surgindo todos os dias; estamos falhando na prevenção, que exige mudança de comportamento nas relações sexuais. Os números crescentes de casos confirmam.

O que você espera para o século XXI na luta contra aids?

Prevenção da infecção pelo HIV e descoberta da cura da aids.

Dra. Rosa de Alencar Souza formou-se em medicina pela Universidade Federal do Pará, em 1984. Iniciou sua atuação profissional no Centro de Referência em DST/Aids de São Paulo (CRT) em 1989, após a especialização em infectologia no Hospital Heliópolis. Nessa época integrava a equipe do ambulatório, tendo sob seus cuidados grande número de pessoas vivendo com HIV/aids. Além disso, realizava atividades no sentido de contribuir para a capacitação de profissionais da saúde que estavam ingressando nos serviços de atendimento a portadores de aids em todo Estado. Hoje, ela faz parte da equipe da Coordenação do Programa Estadual DST/Aids de São Paulo, contribuindo para estabelecimento de diretrizes e ações na busca da melhoria da qualidade da assistência, assim como para desenvolvimento de tecnologias de monitoramento e avaliação de serviços.

 

Uma história que impactou sua trajetória profissional?

Acompanhei durante minha trajetória profissional várias mulheres vivendo com HIV e mulheres convivendo com companheiros e filhos vivendo com HIV. Uma em especial me marcou muito por ser uma mulher guerreira, ativista que acompanhei por um tempo e me ensinou muito sobre respeitar a autonomia, sobre dignidade, sobre companheirismo, ativismo, amor e dedicação ao outro!

Qual a personalidade feminina que te inspirou?

Walkyria Pereira Pinto foi quem me acolheu no CRT e uma inspiração para buscar qualidade no cuidado das pessoas e a importância das evidencias cientificas na tomada das decisões tanto na gestão individual quanto na gestão dos serviços e sistema. Me ensinou também buscar esta qualidade com doçura e respeito as pessoas.

O que você espera para o século XXI na luta contra aids?

O controle da epidemia com ampliação das conquistas relativas aos direitos humanos, respeito as diferenças, liberdade para expressar todas as formas de amar! E muita luta!

Fonte: Redação da Agência de Notícias da Aids