Jacqueline Rocha Côrtes

Quanta gente já não pensou em fazer uma viagem ao espaço, a um outro planeta? Quem já não se imaginou em uma aeronave, num foguete? São tantos filmes de astronautas e suas histórias que isso acaba aguçando nossa imaginação. E aí pensamos: seríamos capazes de fazer uma viagem dessas? É fascinante, o desconhecido, o inexplorável… Mas é também assustador, pois permanecer por muito tempo dentro de uma aeronave espacial demanda uma porção de coisas que não estamos acostumados. Levitar seria maravilhoso! E para ir ao banheiro, como seria? E quanto à nossa alimentação? Bem, essa resposta já tem, os astronautas se alimentam de pílulas cheias de vitaminas, proteínas, e outras “inas” da vida…

E foi assim que eu iniciei meu tratamento medicamentoso para Aids. Foi essa atitude mental que tive quando comecei a tomar os anti-retrovirais, ou ainda, o famoso “coquetel de drogas” anti-Aids. Eram muitos comprimidos no início, cerca de 28 ao dia. Mas se eu fosse uma astronauta, por livre e espontânea vontade, com certeza não seria problema algum tomar pílulas e pílulas diariamente para me sentir alimentada.

A atitude mental diante ao processo de tomar medicamentos deve ser sempre a mais natural e positiva possível. Nossa mente faz acontecer tudo em nosso corpo. Veja só, se vendarmos os olhos de uma pessoa e dermos algo malcheiroso para essa pessoa cheirar, sem que ela saiba o que é, imediatamente sua reação é de nojo, de náusea, pois aquele cheiro a faz lembrar de alguma coisa desagradável que automaticamente é registrada em seu cérebro e reproduz com um sintoma fisiológico, o vômito, ou o enjôo. Se tomarmos nossos remédios pensando que estamos tomando algo de que não gostamos, facilmente nosso corpo físico reagirá aos comandos enviados por nossa mente que rejeita aquela substância. Portanto, acredito que, em primeiríssimo lugar, devemos ter uma atitude mental positiva e amigável com nossos medicamentos. Isso será, sob meu olhar e experiência, metade do caminho, metade do processo de adesão.

Evidentemente não vamos ignorar que possuímos metabolismos diferentes e que cada organismo reage de forma particular com relação ao que ingerimos. Há organismos mais sensíveis a tudo, outros, mais acostumados com a variedade que a natureza e as indústrias nos oferecem, e conseqüentemente, mais tolerantes às substâncias químicas.

Não importa que tipo de organismo seja o seu, pense sempre que sua atitude mental poderá modificar, ou no mínimo, atenuar tamanha sensibilidade.
Sou soropositiva desde 1994 e tomo medicamentos para a Aids desde 1996, ou seja, há onze anos estou em terapia antiretroviral. Jamais tive qualquer problema em tomar esses medicamentos, jamais tive náuseas ou qualquer mal estar.

Por outro lado, sabemos que toda droga traz efeitos colaterais e adversos, até mesmo uma simples aspirina pode causar efeitos inesperados. E não seria diferente com os medicamentos para combater o HIV, por que deveria ser? Acredito que a ciência ainda não chegou a esse grau de excelência e perfeição, pois se assim fosse, já teríamos a cura para a Aids, possivelmente.

Vejo muita gente reclamar sobre a rigidez das tomadas dos antiretrovirais, tipo, não se pode atrasar não se pode esquecer de tomá-los, não se pode comer, ou deve-se comer, pode isso, não pode aquilo… que loucura, que dificuldade…E aí muita gente acaba por desenvolver uma certa “resistência” a esses medicamentos e alimentam essa atitude mental e acabam por interromper seus tratamentos medicamentosos e, por sua vez, prejudicam sua saúde e contribuem para uma evolução do HIV em seus organismos.

Mas essas mesmas pessoas que desenvolvem essa tal de “remediofobia”, não se dão conta que em seu dia a dia ingerem uma porção de coisas ruins para seus corpinhos físicos, muito álcool, tabaco, gorduras e mais gorduras, e que num futuro também poderão trazer efeitos adversos, tais como um enfarto, ou ainda, uma cirrose hepática, ou quem sabe, um câncer de pulmão. Então entendo que na verdade o que vale é o prazer que se tem em ingerir essa ou aquela substância, e aí retornamos em nossa atitude mental perante as coisas que nos cercam.

Não tenho a intenção de fazer nenhuma apologia aos medicamentos antiretrovirais ou qualquer outro medicamento. De fato, pode ser um “saco” lembrar dos horários, que por muitas vezes são impróprios, especialmente quando estamos em ambiente público. Mas se eu encarar esse medicamento como um cigarro, no caso de ser fumante, ou um copo de cerveja, se gosto de beber, ou ainda, como uma bala dietética ou um suco, se sou naturalista, talvez tomar remédios não seja uma coisa tão horrível assim e não mudará muito meu dia a dia. E possivelmente, meu organismo terá outros comandos vindos de meu cérebro e passará a aceitar essas pílulas de forma mais amigável. Não custa tentar. Mas esteja sempre atento ao seu corpo físico, e sempre converse com seu médico abertamente. Procure facilitar seu tratamento, esqueça que possui uma enfermidade desse porte, e tenha adesão com sua própria Aids. Aceite-a, e viva bem, com saúde e, quem sabe, FELIZ.

Viaje um pouquinho, vá para o espaço mental, e experimente alguma sensação diferente e menos nociva a você. Faça sua parte e deixe essas substâncias químicas fazerem a parte delas. Afinal, até o momento, é só o que temos para frear o HIV, então, vamos manter esse freio e vamos seguir nossas vidas como qualquer ser humano comum, capaz de rir e de chorar, de amar e de odiar, engordar ou emagrecer, morrer ou viver. Mesmo não sendo astronauta!

Jacqueline Rocha Côrtes é ativista, integrante do Movimento das Cidadãs Posithivas e consultora. HIV+ desde 1994. Em terapia anti-retroviral desde 1996. Em uso de Viramune e Biovir, com carga viral indetectável e CD4 de 1200, desde 2000.

Nota: Este texto foi escrito por Jacqueline em 2002, na época, já fazia uso dos ARV por seis anos. Jacqueline foi uma das voluntárias da terapia tríplice num protocolo (ensaio clínico) na Casa da Aids (São Paulo), em 1996.

Fonte: Agência de Notícias da AIDS