Jenice Pizão
Intensidade foi a sensação que trouxe comigo do México, onde participei do “Encuentro Nacional y Regional del Mujeres Afectadas com VIH/SIDA del México y Latinoamerica y Caribe”, organizado pela SIPAM, ONG do movimento feminista do México e coordenado por Georgina Gutierrez.
Intensidade na alegria e na dor de rever e conhecer mulheres mexicanas, além das latino-americanas e caribenhas já conhecidas do Movimento Latinoamericano e Caribenho de Mulheres Vivendo com HIV/AIDS – MLCM+, com seus rostos e histórias pessoais. Conhecer essas histórias sempre dão a dimensão dessa América Latina, pobre e subdesenvolvida, das falas dessas mulheres, de seus filhos e maridos, da falta de assistência e medicamentos adequados para suas necessidades, histórias repletas de violência social e institucional, de desrespeito aos direitos sexuais, direitos reprodutivos, enfim, do desrespeito aos nossos direitos básicos de mulheres que vivemos com HIV/AIDS.
Volto minha lembrança aos primeiros encontros de que participei, nos “Vivendos” do Pela Vidda, no Rio, onde nós, PVHA, sentíamos a urgência de organizarmos com as especificidades e o olhar próprio de nossas necessidades juntamente com as realidades diferenciadas de todo o Brasil. Éramos o centro daqueles encontros e ainda precisávamos solicitar uma sala para nossa reunião.
O impacto maior se deu num encontro da Rede de Paulista de Mulheres com HIV/AIDS, coordenado por Nair Brito, com a participação da incansável Edna, da saudosa gaúcha Marina e outras inesquecíveis e marcantes mulheres. Conheci outras mulheres, escutei suas histórias de filhos e maridos, de encontros e desencontros, dos medos da visibilidade, tão parecidos com os meus. Senti as lágrimas e sorrisos, a necessidade de gritar nossas necessidades, de mostrar nossa cara. Não éramos as outras, éramos nós, éramos nós que carecíamos de assistência médica para o perfil feminino, de profissionais de saúde sensibilizados com nossa especificidade, direitos e desejos. Com a vontade e as Deusas, conspirando por nós, sensibilizamos o PN em apoiar o Projeto Cidadã Posithiva, de construção conjunta, para mulheres com HIV/AIDS, visando entender o impacto da epidemia sobre nós, das vulnerabilidades individuais, sociais, culturais, econômicas e até políticas que vivenciamos, das desigualdades de gênero que nos fragilizam perante a epidemia, e conhecer os mecanismos onde teríamos que atuar para melhorar os serviços de saúde para que atendessem os direitos, os desejos e as necessidades de nós, mulheres com HIV/AIDS.
A partir disso, foram surgindo ações governamentais de saúde destinadas a atender nossas necessidades, ou pelo menos, amenizar as dificuldades que vivenciamos conosco, com nossos filhos e companheiros. É verdade que não está tudo resolvido, que temos muito a avançar, mas sabemos do significado das vozes das Cidadãs Posithivas na busca de melhores condições de assistência, reinserção social, qualidade de vida, entre outras melhorias.
E o movimento foi crescendo…apareceram outras mulheres com suas histórias e necessidades, fortalecendo o movimento e se fortalecendo como voz feminina na epidemia da AIDS.
Hoje, essa cidadania posithiva expande-se, surgem outras propostas, outros desenhos, mas todos visando o fortalecimento de nós, mulheres com HIV/AIDS, ocupando novos espaços…desde instâncias governamentais como também para dentro das ONG. Entendemos que esta inserção faz parte de um processo, às vezes com dificuldades em nos fazermos ouvir e esclarecer os motivos que fizeram com que deixássemos nossas casas para caminhar no movimento social da AIDS, ombro a ombro, ao lado dos homens, construindo juntos políticas públicas de saúde para atender a todos em igualdade, em nossas necessidades de mulheres e homens que vivemos com HIV/AIDS no Brasil e, quiçá, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida de outros cidadãos e cidadãs do mundo.
Jenice Pizão é educadora, membro da RNP+ e do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas e assessora técnica da Unidade de Desenvolvimento Humano e Institucional do Programa Nacional de DST/Aids.
Fonte: Agência de Notícias da AIDS