Juliana Corrêa nasceu em Manaus (AM) em 1980 e é uma mulher vivendo com HIV/aids há 12 anos. O diagnóstico ocorreu na segunda gravidez – durante o pré-natal no Sistema Único de Saúde –, quando Juliana tinha 24 anos de idade e ainda estava casada. Juliana iniciou o tratamento antirretroviral aos dois meses de gravidez; aos seis, o marido a deixou. Sua história faz parte de uma sessão do site do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, chamada Histórias Positihivas. Leia na integra a seguir: 

Juliana não sabia nada sobre o HIV. “Fiquei muito abalada, sem chão, sem rumo; eu me isolei”. Apesar de jamais negar a doença para si mesma, não compartilhou a informação sobre sua sorologia com ninguém além do então marido, que fez o teste – com resultado positivo – e a acusou de promiscuidade. Juliana então deixou o trabalho como auxiliar de cozinha. Passou a quase não dormir. “Mas fui superando aos poucos, sozinha”. A coragem de contar à família só veio oito anos depois. “Na verdade, a minha família soube da minha sorologia pela mídia”, conta. Ainda hoje o silêncio persiste entre os parentes.

Em meio ao caos, uma bênção: graças à terapia com o antirretroviral AZT (zidovudina) durante a gravidez, a filha de Juliana nasceu livre do vírus.

Quando a menina fez um ano de idade, Juliana – que agora tem carga viral indetectável – encontrou um novo amor, e viveu com ele uma relação sorodiferente (quando um dos parceiros tem HIV e o outro, não) até este ano. “Mas sempre com o uso de preservativo”, ressalta. Juliana cuidava de si e do parceiro: o segundo marido fazia o exame anti-HIV duas vezes ao ano.

A propósito: de acordo com o Ministério da Saúde, a carga viral indetectável é a condição de uma pessoa soropositiva que atingiu a supressão do vírus como resultado do uso regular de medicamentos antirretrovirais. Quem tem carga viral indetectável não está curado do HIV, mas, enquanto mantiver o tratamento antirretroviral, tem o vírus controlado e preso em certas células do organismo – sem se multiplicar, sem danificar o organismo e sem ser transmissível. O impacto positivo da indetectabilidade é inegável, portanto, na vida de quem tem HIV e na de seus parceiros: o agravo passa a ser manejável como doença crônica e não mais pode ser transmitido.

Outro fator ajudou Juliana a se reerguer: há cinco anos, ela conheceu o movimento social. “Eu estava chorando no corredor do hospital, aguardando a minha sétima consulta, quando uma amiga muito querida me parou e me disse que eu iria vencer tudo aquilo; que seria capaz de me cuidar e de tocar a minha vida”, diz. Por sugestão da amiga, Juliana passou a frequentar reuniões de pessoas vivendo com HIV. Em pouco tempo, começou também a visitar pacientes com aids que foram abandonados pela família nas enfermarias dos hospitais.

A realidade a despertou definitivamente para a urgência de unir-se a outras pessoas em situação semelhante. “Uma das mulheres que eu visitava morreu nos meus braços; os filhos sequer queriam retirar o corpo do hospital para um funeral digno”, lembra, com tristeza. Não restou a Juliana alternativa a não ser ela mesmo velar o corpo.

Hoje Juliana é parte ativa do Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas (MNCP). Por meio do movimento, engajou-se profundamente no debate e nas conquistas dos direitos das mulheres vivendo com HIV/aids em Manaus, no Amazonas e no Brasil como um todo.

Fundada em 2005, a organização não governamental MNCP atua como rede em defesa dos direitos de mulheres vivendo com HIV/aids – formando-as nas temáticas de direitos humanos, estigma e discriminação, saúde sexual e saúde reprodutiva e controle social de políticas públicas e promovendo o seu fortalecimento individual e coletivo, entre muitas outras ações.

Para Juliana, a “morte social” – a discriminação que cerca o HIV/aids e o isolamento que ela produz – ainda mata mais do que a doença em si. “Digo às mulheres para pararem de ter medo; digo: ‘sozinha, você não vai conseguir nada’. Elas podem dizer: ‘eu existo, eu estou aqui’. As mulheres pagam um preço altíssimo por seu silêncio”. No grupo de acolhimento em que Juliana trabalha, as manifestações de machismo são estarrecedoras e frequentes. “Essa mulher destruiu a minha família”, parafraseia. “A culpa nunca é deles”, ironiza.

O preconceito também resiste onde menos se espera. Em uma oficina recente para profissionais de saúde sobre prevenção às infecções sexualmente transmissíveis, Juliana perguntou aos presentes sobre a possibilidade de o HIV ser transmitido em um abraço. Para a surpresa de Juliana, muitos disseram que sim – que era preciso avaliar caso a caso. “Daí eu disse: ‘se fosse possível pegar HIV em um abraço, quase todos aqui estariam infectados, porque sou uma mulher vivendo com HIV/aids há dez anos, e, portanto, recomendo que cada um faça o teste’”, conta, com certo triunfo.

O debate levou a novas oficinas, envolvendo mais gente e com temática mais apurada. O fato de Juliana ter (e aparentar ter) tanta saúde ajuda a combater a discriminação que encontra por onde passa – e a ensinar que o vírus não faz distinção entre as pessoas. “O HIV não tem cara, não tem raça, não tem cor, não tem classe social – e daí a importância de usar sempre o preservativo”, reafirma. Para Juliana, a saúde dos casais sorodiferentes também depende de outras alternativas de prevenção. “A sociedade civil precisa brigar pela profilaxia pré-exposição, porque ela também colabora para evitar infecções e coinfecções”, diz.

A profilaxia pré-exposição – ou PrEP, da sigla do inglês pre-exposure prophylaxis – é a utilização de um medicamento antirretroviral para evitar que uma pessoa que não tem HIV adquira a infecção quando se expõe ao vírus. Nesse caso, o medicamento é administrado como prevenção à infecção. O único antirretroviral recomendado atualmente é o truvada: um comprimido por dia. A PrEP ainda não está disponível no Brasil, mas o país estuda sua implementação para o futuro próximo.

Para os brasileiros, há o leque de opções da chamada “prevenção combinada” – que inclui o uso dos preservativos masculino e feminino e, no caso da pessoa soropositiva, da adesão ao tratamento antirretroviral rumo à carga viral indetectável. Essas medidas preservam a saúde do portador e não oferecem risco para o parceiro sorodiferente.

Recentemente, um novo amor surpreendeu Juliana – desta vez, na forma de uma ativista que ela já conhecia há alguns anos. Mais uma vez, Juliana tem a sorte de viver uma relação sorodiferente, marcada por respeito e companheirismo.

Ela continua a se cuidar; agora, usa o preservativo feminino e a saúde está muito boa a bordo de três anos ininterruptos de terapia antirretroviral 3 em 1. A terapia 3 em 1 inclui os medicamentos tenofovir, lamivudina e efavirenz combinados em um único comprimido, em uma única dose, e distribuídos pelo Sistema Único de Saúde.

Mesmo assim, “viver com HIV não é bom, nem fácil”, diz Juliana – que tem os olhos tristes e ainda vive em Manaus com o filho mais velho e a caçula. “Digo às meninas que acolho: ‘você não tem de deixar esse vírus te matar; você tem de vencê-lo’”. Foi o que Juliana fez, com delicadeza.

Fonte: Departamento das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais e Agência de Notícias da AIDS